segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Cristo Diante de Pilatos; Herodes e Pilatos se Reconciliam | J. C. Ryle

Leia Lucas 23.1-12

Primeiramente, vemos nestes versículos as falsas acusações que foram lançadas contra nosso Senhor. Os judeus O acusaram de perverter a “nação, vedando pagar tributo a César”. Sabemos que não havia nelas qualquer verdade. Eram apenas uma ingênua tentativa de tornar os sentimentos do governador contrários a nosso Senhor.

Falso testemunho e difamação são as duas armas favoritas do diabo. Ele é mentiroso desde o princípio e continua sendo o “pai da mentira” (Jo 8.44). Quando percebe que não pode obstruir a obra de Deus, seu próximo artifício é manchar o caráter dos servos de Deus e destruir o valor de seu testemunho. Com esta arma, ele investiu contra Davi, que disse: “Levantam-se iníquas testemunhas e me argúem de coisas que eu não sei” (Sl 35.11). Foi com esta mesma arma que ele agiu contra os profetas.

Elias foi chamado de “perturbador de Israel” (1Rs 18.17). Jeremias foi acusado de ser um homem que não procurava “o bem-estar para o povo, e sim o mal” (Jr 38.4). Satanás atacou os apóstolos utilizando a mesma arma. Eles eram “uma peste” e haviam “transtornado o mundo” (Atos 24.5; 17.6. Com essa arma, ele assediou nosso Senhor durante todo o seu mi­nistério. Ele despertou seus agentes para chamarem-No de “glutão e bebedor de vinho”, de “samaritano” e “demônio” (Lc 7.34; Jo 8.48 (refs2)). E nesta passagem nós o encontramos sacando a sua velha arma. Jesus foi levado a julgamento diante de Pilatos sob acusações que eram com­pletamente mentirosas.

O servo de Cristo não deve ficar surpreso se tiver de beber do mesmo cálice. Se Aquele que é santo, puro, inculpável foi perfidamente difamado, como podemos esperar que seremos isentos de tal coisa? “Se chamaram Belzebu ao dono da casa, quanto mais aos seus domésticos?” (Mt 10.25.) Contra os santos as pessoas afirmam muitas coisas más. Inocência perfeita não constitui uma proteção contra mentiras, calúnias e mal-entendidos. Um caráter irrepreensível não nos protegerá contra a língua mentirosa. Temos de suportar a provação com paciência. Faz parte da cruz de Cristo. Precisamos ficar quietos, descansar nas promessas de Deus e crer que a verdade prevalecerá. Davi afirmou: “Descansa no Senhor e espera nele. Fará sobressair a tua justiça como a luz e o teu direito, como o sol ao meio-dia” (Sl 37.6,7 (refs2)).

Em segundo, vemos nestes versículos os motivos estranhos e variados que influenciam os corações dos não-convertidos que ocupam posições importantes. Quando Pilatos enviou nosso Senhor a Herodes, rei da Galiléia, este, “vendo a Jesus, sobremaneira se alegrou, pois havia muito queria vê-lo, por ter ouvido falar a seu respeito; esperava também vê-lo fazer algum sinal”.

São palavras notáveis. Herodes era um homem mundano, lascivo; assassinara João Batista e vivia em pleno adultério com a esposa de seu ir­mão. Era o tipo de homem, poderíamos imaginar, que não manifestaria qualquer desejo de ver Cristo. Mas Herodes tinha uma consciência intranquila. Sem dúvida, o sangue do assassinato dos santos de Deus com frequência surgia em seus pensamentos, roubando-lhe a paz. A fama dos milagres e da pregação de nosso Senhor alcançara a corte de Herodes. Ali foi noticiado que outra testemunha contra o pecado havia surgido, uma testemunha ainda mais ousada e fiel do que João Batista, uma testemunha que confirmava seus ensinos por meio de obras que nem mesmo o poder dos reis era capaz de realizar. Os rumores deixaram Herodes perturbado, sem tranqüilidade. Não admiramos que sua curiosidade tenha sido aguçada e que ele tenha desejado ver Cristo.

Infelizmente, na História da Igreja existem muitos homens importantes e ricos, semelhantes a Herodes, homens sem Deus e sem fé, homens que vivem para si mesmos. Geralmente tais homens vivem em seu próprio ambiente, sendo bajulados e cortejados, mas nunca conhecendo a verdade sobre sua alma; homens tiranos e orgulhosos, que não conhecem qualquer outra vontade, exceto a deles mesmos. No entanto, esses homens às vezes possuem consciências atormentadas e sentem medo. Deus levanta algumas testemunhas ousadas contra os pecados deles, testemunhas cuja mensagem alcança-lhes os ouvidos. Imediatamente a curiosidade de tais homens é despertada. Sentem-se descobertos e embaraçados. Sentem-se atraídos ao ministério dessas testemunhas, assim como a mariposa voando ao redor de uma vela, e parecem incapazes de evitá-las, mesmo que não as obedeçam. Elogiam o talento das testemunhas e abertamente admiram o poder delas. No entanto, ficam somente nisso. Assim como Herodes, suas consciências produzem em seu íntimo uma mórbida curiosidade para ver e ouvir as testemunhas de Deus; porém, seus corações, tal como o daquele rei, estão acorrentados ao pecado com algemas de aço. Arremes­sados de um lado para o outro por tempestades de concupiscências e paixões descontroladas, tais pessoas nunca estão em paz, enquanto vivem, e, após toda a sua intermitente luta de consciência, finalmente morrem em seus pecados. Essa é uma história triste, mas é a história da alma de muitos homens ricos e de posição.

Aprendamos do ocorrido com Herodes a ter compaixão dos homens de posição. Com toda a sua importância e esplendor aparentes, são completamente infelizes em seu íntimo. Roupas finíssimas e mantos oficiais frequentemente encobrem corações que desconhecem a paz. O homem que deseja tornar-se rico não sabe o que está desejando. Oremos pelos ricos e deles tenhamos compaixão. Estão carregando um peso imenso que os impede na carreira para a vida eterna. Se forem salvos, será exclu­sivamente por intermédio de um grande milagre da graça divina. As palavras de nosso Senhor são bastante solenes: “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus” (Mt 19.24).

Por último, vemos nestes versículos com que facilidade e disposição os incrédulos podem concordar em não apreciar nosso Senhor. Quando Pilatos O enviou como prisioneiro a Herodes: “Naquele mesmo dia, Herodes e Pilatos se reconciliaram, pois, antes, viviam inimizados um com o outro”. Não sabemos qual era a causa dessa inimizade. Talvez fosse alguma contenda insignificante, que às vezes surge entre os grandes e os pequenos. Qualquer que tenha sido a causa dessa inimizade, foi abandonada quando diante deles se colocou um objeto comum de desprezo, temor e ódio. Não importa sobre o que eles discordavam, mas Herodes e Pilatos concordaram em desprezar e perseguir a Cristo.

Este incidente é uma figura notável de um estado de coisas que sempre veremos no mundo. Homens de opiniões muito divergentes podem unir-se em oporem-se à verdade. Os ensinadores das mais contrárias doutrinas podem ter como objetivo comum o lutar contra o evangelho. Nos dias de nosso Senhor, os fariseus e saduceus juntaram suas forças para armar ciladas contra Jesus de Nazaré e assassiná-Lo. Em nossos dias, vemos os católicos romanos, os socinianos, os ímpios, os idólatras, os amantes dos prazeres, os ascetas, os que sustentam pontos de vista liberais e os mais determinados oponentes — todos eles — juntos contra o cristianismo evangélico. Um motivo comum de ódio está unindo-os. Odeiam a cruz de Cristo. Nas palavras do apóstolo: “Verdadeiramente se ajuntaram... contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel” (At 4.27). Todos estes odeiam-se mutuamente; todavia, odeiam muito mais ao Senhor Jesus.

O verdadeiro crente não deve considerar como algo estranho a inimizade do mundo. Não deve ficar admirado se, assim como ocorreu ao apóstolo Paulo em Roma, perceber que o caminho da vida “por toda parte” é impugnado (At 28.22). Se ele espera que, por meio de qualquer concessão, conquistará o favor dos homens, será grandemente desapontado. Seu coração não deve se perturbar. Seu dever é esperar o louvor da parte de Deus. Precisa ter sempre em seus pensamentos as palavras de nosso Senhor: “Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia” (Jo 15.19).

J. C. Ryle

In: Meditações no Evangelho de Lucas 

Ed. Fiel

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