quarta-feira, 11 de junho de 2014

João Calvino, O Evangelista em Genebra | Joel Beeke

calvinoCalvino acreditava que devemos fazer uso total das oportunidades que Deus dá para evangelizar. “Quando uma oportunidade para edificação se apresenta, devemos perceber que uma porta foi aberta para nós pela mão de Deus a fim de que possamos introduzir Cristo naquele lugar e não devemos nos recusar a aceitar o generoso convite que deus nos faz”, ele escreve.[1]

Por outro lado, quando as oportunidades são restritas e as portas do evangelismo estão fechadas ao nosso testemunho, não devemos persistir em tentar fazer o que não pode ser feito. Ao contrário, devemos orar e buscar outras oportunidades. “A porta está fechada quando não há expectativa de sucesso. [Então] temos que tomar um caminho diferente ao invés de desgastarmos-nos em vãos esforços para alcançá-los”, Calvino escreve.[2] Entretanto, dificuldades para testemunhar não são desculpas para deixar de tentar. Para aqueles que estavam sofrendo restrições e perseguições severas na França, Calvino escreveu: “Vamos, cada um, empenhar-nos em atrair e ganhar para Jesus Cristo aqueles que pudermos”.[3] “Cada homem deve cumprir seu dever sem ceder a qualquer impedimento. No fim, nosso esforço e nossas fadigas não falharão; eles receberão o sucesso que ainda não aparece”.[4]

Vamos examinar a prática de evangelização de Calvino em sua congregação e na sua própria cidade de Genebra, neste artigo.

Com freqüência pensamos em evangelização hoje apenas como a obra regeneradora do Espírito e da conseqüente recepção de Cristo pelo pecador através da fé. Por isto, rejeitamos a ênfase de Calvino na conversão como um processo contínuo envolvendo a pessoa como um todo.

Para Calvino, evangelização envolve um chamado contínuo e autoritativo ao crente na igreja para exercer a fé no Cristo crucificado e ressurreto. Esta convocação é um compromisso para a vida toda. Evangelização significa apresentar Cristo de modo que as pessoas, pelo poder do Espírito, possam vir a Deus em Cristo. Mas também significa apresentar Cristo de modo a que o crente possa servi-lo como Senhor na comunhão da Sua igreja e no mundo. Evangelização requer edificar crentes na fé mais santa de acordo com os cinco princípios-chave da Reforma: Sola Scriptura, Sola Fide, Sola Gracia, Solus Christus, Sole Deo Gloria.

Calvino foi um notável praticante deste tipo de evangelização dentro de sua própria congregação. Para Calvino, o evangelismo começa com a pregação. Como escreve William Bouwsma: “Ele pregava regularmente e com freqüência: no Velho Testamento nos dias de semana às seis da manhã (sete no inverno), alternadamente; no Novo Testamento, nas manhãs de domingo e nos Salmos, no domingo à tarde. Durante a sua vida ele pregou, neste sistema, cerca de 4.000 sermões depois do seu retorno a Genebra: mas de 170 sermões por ano”. Pregar era tão importante para Calvino que, quando estava rememorando as realizações da sua vida, no seu leito de morte, ele mencionou seus sermões na frente dos seus escritos.[5]

O intento de Calvino na sua pregação era evangelizar tanto quanto edificar. Em média ele pregava em quatro ou cinco versículos do Velho Testamento e dois ou três versículos do Novo Testamento. Ele refletia sobre uma pequena porção do texto de cada vez, explicando primeiro o texto e depois, aplicando-o às vidas da sua congregação.

Os sermões de Calvino jamais eram curtos na aplicação; ao contrário, a aplicação era mais longa do que a exposição em seus sermões. Os pregadores devem ser como pais, ele escreveu, “dividindo o pão em pedaços pequenos para alimentar seus filhos”.

Ele também era sucinto. Como o sucessor de Calvino, Theodoro Beza, disse da pregação do reformador: “Cada palavra pesava uma libra”.

Calvino instruía frequentemente sua congregação sobre como ouvir um sermão. Ele os ensinava o que procurar na pregação, em que espírito eles deveriam ouvir. Seu alvo era ajudar as pessoas a participarem do sermão o mais que pudessem de modo a alimentar suas almas. A atitude de alguém que vem para um sermão, dizia Calvino, deveria incluir “prontidão para obedecer a Deus completamente e sem qualquer reserva”.[6] “Nós não vimos para a pregação unicamente para ouvir o que não sabemos”, Calvino acrescentou, “mas para ser incitado a cumprir o nosso dever”.[7]

Calvino também alcançava os não salvos através de sua pregação, impressionando-os com a necessidade de fé em Cristo e o que isto significava. Ele deixava claro que não acreditava que todos no seu rebanho estavam salvos. Embora caridoso com os membros da igreja que mantinham um estilo de vida aparentemente recomendável, ele também referiu-se mais de trinta vezes em seus comentários e nove vezes em suas Institutas (contando apenas as referências de 3.21 a 3.24) ao pequeno número daqueles que recebem a Palavra pregada com fé salvífica. “Se um sermão é pregado, digamos, a cem pessoas, vinte o recebem com a obediência pronta de fé, enquanto o resto o toma como sem valor, ou ri, ou vaia ou detesta-o”, disse Calvino.[8] Ele escreveu também: “pois, embora todos, sem exceção, a quem a Palavra de Deus é pregada, sejam ensinados, mesmo assim apenas um em dez, se tanto, a saboreia; sim, escassos um em cem aproveita ao ponto de ser habilitado, desse modo a prosseguir num rumo certo até o final”.[9]

Para Calvino, a tarefa mais importante do evangelismo era a edificação dos filhos de Deus na fé mais santa e convencer os incrédulos da hediondez do pecado, dirigindo-os a Cristo Jesus como o único Redentor.

Evangelismo em Genebra

Calvino não limitava a pregação à sua própria congregação. Ele também a usava como instrumento para divulgar a Reforma de um extremo a outro da cidade de Genebra. Aos domingos os Estatutos Genebrinos requeriam sermões em cada uma das três igrejas na alvorada e às 9 da manhã. À tarde as crianças vinham para as classes de catecismo. Às três da tarde, sermões eram pregados novamente em cada igreja.

Durante a semana eram programados sermões em diferentes horários nas três igrejas nas Segundas, Quartas e Sextas. Ao tempo da morte de Calvino, um sermão era pregado em cada igreja, todos os dias da semana.

Mesmo assim não era suficiente. Calvino desejava reformar os genebrinos em todas as esferas da vida. Em seus estatutos eclesiásticos ele requeria três funções adicionais além da pregação que cada igreja deveria oferecer:

1. Ensino. Doutores em teologia deveriam explicar a Palavra de Deus, primeiro em conferências informais, depois em ambiente mais formal da Academia de Genebra, estabelecida em 1559. Ao tempo da aposentadoria do sucessor de Calvino, Theodoro Beza, a Academia de Genebra havia treinado 1.600 homens para o ministério.

2. Disciplina. Anciãos designados dentro de cada congregação deviam, com a assistência dos pastores, manter a disciplina cristã, observando os membros da igreja e seus líderes.

3. Caridade. Diáconos em cada igreja deviam receber as contribuições e distribuí-las aos pobres.

Inicialmente a reforma de Calvino encontrou dura oposição local. As pessoas particularmente objetavam a utilização pela igreja da excomunhão para reforçar a disciplina eclesiástica. Depois de anos de controvérsias, os cidadãos locais e refugiados religiosos que apoiavam Calvino ganharam o controle da cidade. Nos últimos nove anos da sua vida, o controle de Calvino sobre Genebra foi quase total.

Entretanto, Calvino desejava fazer mais do que reformar Genebra. Ele queria que a cidade se tornasse uma espécie de modelo do reino de Cristo para o mundo inteiro. Na verdade, a reputação e a influência da comunidade genebrina espalhou-se para a vizinha França, depois para a Escócia, Inglaterra, Holanda, partes da Alemanha ocidental, e partes da Polônia, Tchecoslováquia e Hungria. A igreja de Genebra tornou-se um modelo para o movimento reformado inteiro.

A Academia de Genebra também assumiu um papel criticamente importante, pois tornou-se logo mais que um lugar para se aprender teologia. Em “João Calvino: Diretor de Missões”, Philip Hugues escreve:

“A Genebra de Calvino não foi uma torre de marfim teológico que viveu para si mesma. As naves humanas eram equipadas e reparadas neste porto...para que pudessem ser lançadas nos circunvizinhos oceanos das necessidades do mundo, encarando bravamente cada tempestade e cada perigo que as aguardava, a fim de trazer a luz do Evangelho de Cristo para aqueles que estavam na ignorância e escuridão das quais eles próprios originalmente vieram”.[10]

Através da influência da Academia, John Knox levou a doutrina evangélica para a sua Escócia natal; ingleses foram equipados para liderar a causa na Inglaterra; italianos tiveram o que necessitavam para ensinar na Itália e os franceses (que formavam a grande massa de refugiados) estenderam o Calvinismo para a França. Inspirados pela visão verdadeiramente ecumênica de Calvino, Genebra tornou-se o núcleo do qual a evangelização se espalhou por todo o mundo. De acordo com o Registro da Companhia de Pastores, entre 1555 e 1562 oitenta e oito homens foram enviados para fora de Genebra, para diferentes lugares do mundo. Estes dados são lamentavelmente incompletos. Em 1561, que parece ter sido o ano culminante da atividade missionária, o envio de apenas doze homens está registrado, enquanto que outras fontes indicam que perto de vinte vezes aquele número – não menos do que 142 – saíram em missões particulares.[11]

Esta é uma espantosa realização para um esforço que começou com uma pequena igreja se debatendo dentro de uma minúscula cidade – república. Contudo, o próprio Calvino reconheceu o valor estratégico do esforço. Ele escreveu para Bullinger: “Quando considero quão importante é este recanto (de Genebra) para a propagação do reino de Cristo, eu tenho uma boa razão para desejar que ele seja cuidadosamente vigiado”.[12]

Em um sermão em 1 Tm 3:14, Calvino pregou: “Que possamos atentar para o que Deus tem nos ordenado, que Ele teria prazer em mostrar Sua graça, não apenas sobre uma cidade ou um punhado de pessoas, mas que Ele reinaria sobre todo o mundo; que cada um possa servi-lo e adorá-lo em verdade”.

Por: Joel Beeke

Fonte: Os Puritanos

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[1] Commentary sobre 2 Co 2:12.

[2] Ibidem

[3] Bonnet: Cartas de Calvino, 3: 134.

[4] Commentary sobre Gn 17:23

[5] William Bouwsma: John Calvin: Um Retrato do Século Dezesseis (NewYork: Oxford, 1988), pg 29.

[6] Leroy Nixon: John Calvin: Pregador Expositivo (Grand Rapids: Eerdmans, 1950), pg 65.

[7] John Calvin: Opera quae supersunt omnia, 79:783.

[8] Intitutas 3.24.12.

[9] Commentary on Psalm 119:101.

[10] A Herança de John Calvino, ed. John H. Bratt, pg 44.

[11] Ibid., pgs 45-46.

[12] Bonnet, Cartas de Calvino 2: 227

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