A pregação atravessa tempos
difíceis? Hoje está sendo travado um debate sobre o caráter e a centralidade da
pregação na igreja. O que está em jogo é a integridade da adoração e da
proclamação cristã.
Como isso chegou a acontecer?
Levando em conta a centralidade da pregação na igreja do Novo Testamento,
parece que a prioridade da pregação bíblica jamais deveria ser contestada.
Afinal de contas, como observou John A. Broadus — um dos docentes fundadores do
Seminário Batista do Sul dos Estados Unidos —, “a pregação é característica
peculiar do cristianismo. Nenhuma outra religião tem realizado reuniões
freqüentes e regulares de grupos pessoas para ouvirem instrução e exortações
religiosas, uma parte integral do culto cristão”.
No entanto, muitas vozes influentes
no evangelicalismo sugerem que a época do sermão expositivo já passou. Em seu
lugar, alguns pregadores contemporâneos colocaram mensagens idealizadas
intencionalmente para alcançar congregações seculares ou superficiais —
mensagens que evitam a exposição do texto bíblico e, por implicação, um
confronto potencialmente embaraçoso com a verdade bíblica.
Uma mudança sutil no início do
século XX se tornou uma grande divisão no final do século. A mudança de
pregação expositiva para abordagens mais temáticas e centradas no homem
desenvolveu-se a ponto de se tornar um debate sobre o lugar das Escrituras na
pregação e a própria natureza da pregação.
Duas afirmações famosas sobre a
pregação ilustram essa divisão crescente. Refletindo, de maneira poética, a
urgência e a centralidade da pregação, o pastor puritano Richard Baxter fez
esta observação: “Prego como se jamais tivesse de pregar novamente, prego como
um moribundo a pessoas moribundas”. Com expressão vívida e um senso de
seriedade do evangelho, Baxter entendeu que a pregação é, literalmente, uma
questão de vida ou morte. A eternidade pende na balança à medida que o pastor
prega.
Contraste essa afirmação de
Baxter com as palavras de Harry Emerson Fosdick, talvez o mais famoso (ou
mal-afamado) pregador das primeiras décadas do século XX. Fosdick, que era
pastor da Riverside Church, em Nova Iorque, provê um contraste instrutivo com o
respeitado Baxter. Fosdick explicou: “Pregar é aconselhamento pessoal com base
em grupos”.
Essas duas afirmações a respeito
da pregação revelam os contorno do debate contemporâneo. Para Baxter, a
promessa do céu e os horrores do inferno moldam a desgastante responsabilidade
do pregador. Para Fosdick, o pregador é um conselheiro amável que oferece
conselhos e encorajamento proveitosos.
O debate atual sobre a pregação é
mais comumente explicado como uma argumento a respeito do foco e do formato do
sermão. O pregador deve pregar um texto bíblico por meio de um sermão
expositivo? Ou deve focalizar o sermão nas “necessidades sentidas” e nos
interesses percebidos dos ouvintes?
É claro que muitos evangélicos
contemporâneos favorecem a segunda opção. Instados pelos devotos da “pregação
baseada nas necessidades”, muitos evangélicos abandonam o texto sem reconhecer
que fazem isso. Esses pregadores podem ocasionalmente recorrer ao texto no
decorrer do sermão, mas o texto não estabelece os assuntos nem a forma da
mensagem.
Focalizar-se nas “necessidades
percebidas” e permitir que elas estabeleçam os assuntos da pregação conduz
inevitavelmente à perda da autoridade bíblica e do conteúdo bíblico no sermão.
Contudo, esse modelo está se tornando, cada vez mais, a norma em muitos
púlpitos evangélicos. Fosdick deve estar sorrindo no túmulo.
Os evangélicos antigos
reconheceram a abordagem de Fosdick como uma rejeição da pregação bíblica. Um
teólogo liberal confesso, Fosdick exibiu sua rejeição da inspiração, inerrância
e infalibilidade das Escrituras — e rejeitou outras doutrinas centrais da fé
cristã. Apaixonado pelas tendências da teoria psicológica, Fosdick se tornou um
terapeuta de púlpito do protestantismo liberal. O alvo de sua pregação foi bem
captado pelo título de um de seus muitos livros — On Being a Real Person (Ser
uma Verdadeira Pessoa).
Infelizmente, essa é a abordagem
evidente em muitos púlpitos evangélicos. O púlpito sagrado se tornou um centro
de aconselhamento, e os bancos da igreja, o sofá do terapeuta. A psicologia e
os interesses práticos substituíram a exegese teológica; e o pregador direciona
seu sermão às necessidades percebidas da congregação.
O problema é que o pecador não
sabe qual é a sua mais urgente necessidade. Ele está cego quanto à sua
necessidade de redenção e reconciliação com Deus e se focaliza em necessidades
potencialmente reais e temporais, tais como realização pessoal, segurança
financeira, paz na família e avanço profissional. Muitos sermões são elaborados
para atender a essas necessidades e interesses, mas falham em proclamar a
Palavra da Verdade.
Sem dúvida, poucos pregadores que
seguem essa tendência intentam se afastar da Bíblia. Todavia, servindo-se de
uma intenção aparente de alcançar homens e mulheres modernos e seculares “onde
eles estão”, o sermão tem sido transformado em um seminário sobre o sucesso. Alguns
versículos das Escrituras talvez sejam acrescentados ao corpo da mensagem; mas,
para que um sermão seja genuinamente bíblico, o texto precisa estabelecer os
assuntos como fundamento da mensagem — e não ser usado apenas como uma
autoridade citada para fornecer esclarecimento espiritual.
Charles Spurgeon confrontou esse
mesmo padrão de púlpitos vacilantes, em seus próprios dias. Alguns das mais
agradáveis e mais freqüentadas igrejas de Londres tinham ministros que foram
precursores dos pregadores modernos que se baseiam nas necessidades sentidas.
Spurgeon que se esforçou por atrair ouvintes, apesar de sua insistência na
pregação bíblica confessou: “O verdadeiro embaixador de Cristo sente que ele
mesmo está diante de Deus e tem de lidar com as almas como servo de Deus, em
lugar dele, e que ocupa uma posição solene nesta posição, a infidelidade é
desumanidade e traição para com Deus”.
Spurgeon e Baxter entendiam o
perigoso mandato do pregador e, por isso, foram impelidos à Bíblia para usá-la
como sua única autoridade e mensagem. Deixavam seus púlpitos tremendo, sentindo
interesse urgente pela alma de seus ouvintes e totalmente cônscios de que
tinham de prestar contas a Deus pela pregação de sua Palavra, tão-somente de
sua Palavra. Os sermões deles foram medidos por poder, os de Fosdick, por
popularidade.
O debate atual sobre a pregação
pode abalar congregações, denominações e o movimento evangélico. Mas reconheça
isto:
a restauração e renovação da igreja nesta geração virá somente quando, em cada púlpito, o ministro pregar com a certeza de que jamais pregará novamente e como um moribundo que prega a pessoas moribundas.
Por: Albert Mohler Jr.
(Editora Fiel)
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