quinta-feira, 27 de março de 2025

A Quaresma: Tradição Humana ou Prática Bíblica? | Pb. Evandro Marinho

A prática da Quaresma, amplamente observada pela Igreja Católica Romana e por algumas tradições protestantes, levanta questões importantes para aqueles que buscam um cristianismo enraizado na Escritura. A história mostra que a Quaresma não é uma prática dos primeiros cristãos e tem conexões com festivais pagãos que antecederam o cristianismo. Neste artigo, analisaremos a origem histórica da Quaresma, seu desvio das Escrituras e a crítica de reformadores protestantes.

A Origem Histórica da Quaresma

A Quaresma é um período de 40 dias de jejum e penitência, culminando na Páscoa. Seguindo o testemunho de historiadores cristãos, essa prática começou a ser instituída no século II por Teléforo, bispo de Roma, mas foi oficializada somente em 519 d.C. A adoção desse período de abstinência pode ter sido uma tentativa de substituir uma antiga prática pagã relacionada a Tamuz, uma divindade babilônica que era pranteada por 40 dias após sua morte.

Essa conexão com ritos pagãos é preocupante, pois Deus ordenou claramente ao Seu povo que não adotasse práticas dos pagãos (Deuteronômio 12:30-32). O profeta Ezequiel também denunciou a prática das mulheres chorando por Tamuz no templo (Ezequiel 8:14-15), demonstrando a desaprovação divina a essas tradições.

O Que Diz a Escritura?

A Palavra de Deus é a única autoridade para a fé e a prática cristã. No Novo Testamento, não encontramos qualquer ordenança para observar a Quaresma ou qualquer outro período de jejum litúrgico prescrito anualmente. Em Colossenses 2:16-17, o apóstolo Paulo adverte contra a imposição de festivais e práticas externas como necessárias para a vida cristã:

"Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombra das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo" (Cl 2:16-17).

A imposição da Quaresma como um tempo especial de espiritualidade pode levar à falsa ideia de que algumas obras externas podem contribuir para nossa justificação, o que é frontalmente rejeitado pelo ensino bíblico (Efésios 2:8-9).

A Denúncia dos Reformadores

Os reformadores protestantes, como Martinho Lutero, João Calvino e Ulrico Zuínglio, criticaram duramente a imposição de práticas religiosas não prescritas na Escritura. Lutero afirmou que a verdadeira espiritualidade não vem de "privações humanas, mas da fé verdadeira em Cristo". Calvino, em suas "Institutas", destacou que qualquer acréscimo à Palavra de Deus corrompe a verdadeira religião. Ele escreveu:

"Deus não deseja ser honrado de outro modo senão segundo Sua Palavra, e não aceita as invenções humanas em Sua adoração" (Institutas, Livro IV, Cap. 10).

Conclusão: Retornemos às Escrituras!

A prática da Quaresma é um exemplo de como tradições humanas podem se infiltrar na adoração cristã, desviando os crentes da simplicidade do evangelho. Não precisamos de ritos instituídos por homens para buscar a Deus, mas da fé verdadeira em Cristo e de uma vida de arrependimento e santidade constante, não limitada a um período específico do ano.

O verdadeiro jejum é aquele que nasce de um coração arrependido e transformado pelo Evangelho, conforme Isaías 58:6:

"Porventura não é este o jejum que escolhi? Que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo, e que deixes livres os oprimidos, e despedaces todo jugo?"

Portanto, ao invés de nos submetermos a tradições humanas, voltemo-nos para a suficiência das Escrituras e para a verdadeira liberdade em Cristo.

quinta-feira, 20 de março de 2025

Como estruturar um sermão Expositivo | Pb. Evandro Marinho

A estrutura do sermão expositivo segue um padrão bem definido para garantir clareza, fidelidade ao texto bíblico e impacto espiritual. De acordo com diversos estudiosos da homilética reformada, como Bryan Chapell, Hernandes Dias Lopes e Jilton Moraes, a organização do sermão expositivo pode ser dividida nos seguintes elementos essenciais:

1. Escolha do Texto Bíblico

O sermão expositivo parte de uma passagem específica das Escrituras, geralmente uma perícope (seção coerente do texto).

O pregador deve ler e reler o texto, orar sobre ele e considerar o seu contexto imediato e histórico.

2. Identificação da Grande Ideia

Haddon Robinson chama isso de "Grande Ideia" do sermão: a principal verdade teológica da passagem que será explicada e aplicada.

Deve-se formular a ideia central com clareza e brevidade.

3. Estruturação do Sermão

Um sermão expositivo clássico contém as seguintes partes:

A. Introdução

Deve capturar a atenção dos ouvintes.

Apresenta o tema e a relevância do texto para a vida cristã.

B. Corpo do Sermão

Desenvolvimento da exposição do texto, dividindo-o em pontos principais e subpontos que emergem diretamente da passagem.

Utilização de ilustrações para reforçar o entendimento da audiência.

Aplicação prática das verdades extraídas do texto.

C. Conclusão

Recapitulação da grande ideia e dos pontos principais.

Exortação e aplicação final.

Chamado à resposta (não necessariamente um apelo emocional, mas uma convocação à obediência e fé).

4. Exegese e Aplicação

O sermão deve basear-se em um estudo profundo do texto, incluindo análise do original, contexto histórico e teológico.

A aplicação deve ser relevante para os ouvintes e enraizada na verdade bíblica.

5. Clareza e Unidade

Cada parte do sermão deve estar interligada e contribuir para comunicar a mensagem principal.

O sermão não deve ser uma sequência de informações soltas, mas um argumento coeso e progressivo.

A estrutura bem definida do sermão expositivo garante que a pregação seja fiel às Escrituras, compreensível para os ouvintes e eficaz em sua aplicação.

Pb. Evandro Marinho 

sexta-feira, 14 de março de 2025

Vivendo em época de crise | Augustus Nicodemus

Vivemos tempos difíceis em que a inflação corrói o poder de compra, o desemprego assola muitas famílias, e a instabilidade econômica gera insegurança. Diante dessas realidades, é fácil sermos levados pelo medo ou pela indignação que vemos nas redes sociais. Mas qual deve ser a postura do cristão?

• Confiança em Deus, não no sistema econômico.

O sustento vem do Senhor, não dos mercados. "Fui moço e agora sou velho, mas nunca vi desamparado o justo, nem a sua descendência mendigar o pão" (Salmo 37:25). Precisamos trabalhar, planejar e ser responsáveis, mas sem nos deixar dominar pela ansiedade (Mateus 6:25-34).

• Sabedoria e prudência financeira.

Provérbios nos ensina a sermos diligentes e evitar dívidas desnecessárias (Provérbios 22:7). Em tempos de incerteza, devemos buscar uma administração financeira sábia, evitando gastos impulsivos e cultivando a generosidade com aqueles que mais precisam (2 Coríntios 9:6-7).

• Trabalho e esperança, mesmo em tempos difíceis.

O desemprego e o subemprego são desafios reais, mas devemos lembrar que "tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor" (Colossenses 3:23). O cristão não deve desistir, mas buscar oportunidades com esforço e fé, confiando que Deus abre portas.

• Engajamento responsável e oração pelo país.

O aumento da dívida pública e a necessidade de reformas são assuntos sérios, mas devemos evitar discursos de ódio e desespero. A Bíblia nos chama a orar pelas autoridades (1 Timóteo 2:1-2) e a sermos luz e influência positiva na sociedade. Criticamos com sabedoria, cobramos com responsabilidade e confiamos que Deus continua no controle.

• Esperança além das crises.

Nossa esperança não está na economia, nos governos ou nos investimentos deste mundo, mas no Reino de Deus. "Buscai, pois, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas" (Mateus 6:33).

Seja no desemprego ou na instabilidade, o cristão vive pela fé e não pelo medo. Sejamos prudentes, justos e confiantes na provisão do Senhor, lembrando que nossa missão vai além das crises: sermos sal e luz em meio à escuridão.

Que o Senhor nos dê paz e sabedoria!

Augustus Nicodemus 

quinta-feira, 13 de março de 2025

Lendo a Bíblia como um arqueólogo | Paul Tripp

Leia sua Bíblia como um arqueólogo, cavando lentamente, metodicamente e cuidadosamente por cada versículo e passagem das Escrituras. Procure por tesouros que conectem o poder transformador das Escrituras à vida cotidiana!

Um exemplo disso é encontrado no final de João 1, quando nos deparamos com um artefato sobre a escada de Jacó em Gênesis, algo que poderíamos facilmente perder se estivermos correndo rapidamente para chegar às histórias mais conhecidas.

Uma dessas histórias conhecidas é o casamento em Caná, que aparece logo no capítulo seguinte. Todos sabemos que Jesus transformou água em vinho, mas mesmo nessa história de escola dominical há tesouros ocultos que podemos perder se não os buscarmos com atenção. Por isso, também te encorajo a ler sua Bíblia como um detetive, procurando pistas que resolvem os belos mistérios da Palavra de Deus.

A história em João 2 termina com esta declaração no versículo 11:
“Este foi o primeiro dos seus sinais. Jesus o fez em Caná da Galileia e manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram nele.”

Ao ler essa história, você precisa se perguntar: "Por que os discípulos creram em Jesus? O que os levou a abandonar suas vidas e segui-lo?" A pista está em uma única palavra: glória.

Você já parou para meditar sobre a glória de Jesus ao transformar água em vinho? Que tipo de controle soberano sobre a criação é necessário para comandar as moléculas da água a se transformarem nas moléculas do vinho? Somente o Criador do universo poderia fazer tal coisa!

Embora não haja uma conexão direta com o Antigo Testamento, como na escada de Jacó, essa história nos faz lembrar de Jonas. Lembra-se de tudo o que Deus designou para intervir na vida de um profeta fugitivo? Ele:

“Lançou sobre o mar um forte vento” (Jonas 1:4)

“Designou um grande peixe para engolir Jonas” (Jonas 1:17)

“Falou ao peixe, e ele vomitou Jonas em terra seca” (Jonas 2:10)

“Designou uma planta e a fez crescer sobre Jonas, para que fizesse sombra sobre sua cabeça, a fim de livrá-lo do seu desconforto” (Jonas 4:6)

“Designou um verme que atacou a planta, e ela secou” (Jonas 4:7)

“Designou um vento oriental abrasador, e o sol bateu na cabeça de Jonas, a ponto de desfalecer” (Jonas 4:8)


Da mesma forma, Jesus, que transformou as moléculas da água em vinho, é o glorioso Criador que, com palavras, trouxe o universo físico à existência. Ele tem o direito, a autoridade e o poder para ordenar à criação que faça o que Ele desejar.

Jesus de Nazaré é o Senhor Criador, e é por isso que os discípulos creram nele, o seguiram e entregaram suas vidas a Ele.

Você pode dizer o mesmo hoje? Sim, você declarou seguir Jesus por toda a vida, e sua vida eterna está segura em Cristo, mas nos momentos comuns do dia a dia, nem sempre acreditamos, seguimos e confiamos em Cristo.

Essa história do Novo Testamento, em que Jesus transforma água em vinho, e a história de Jonas no Antigo Testamento devem ser um lembrete encorajador para você hoje sobre o poder e a glória do seu Criador. O poder e a glória de Deus devem te lembrar de crer mais uma vez, seguir mais uma vez e confiar sua vida a Ele mais uma vez.

“Por isso, também os que sofrem segundo a vontade de Deus devem confiar suas almas ao fiel Criador, praticando o bem.” (1 Pedro 4:19)

Como o glorioso e poderoso Criador de tudo o que existe, não há nada que Ele não possa fazer por você. Descanse na glória e no poder de quem Ele é! Creia nele. Siga-o. Confie sua vida e sua alma a Ele. Ele é fiel.

Isso é o que acontece quando você busca pistas em sua leitura diária da Bíblia como um detetive!

Uma Oração para Hoje:

Senhor, eu admito que, nos momentos comuns do dia a dia, nem sempre creio, sigo e confio em Ti. Sou tentado a procurar em outros lugares a emoção, o encorajamento e a satisfação, mas qualquer coisa fora de Ti nunca me satisfará. Que Tu me dês a graça de descansar na Tua glória e no Teu poder, e que eu sempre responda à Tua glória e ao Teu poder com fidelidade e gratidão. Eu Te amo. Em nome de Jesus, amém.

Paul Tripp

quarta-feira, 12 de março de 2025

Como começar a manhã: com piedosas meditações e com oração | Lewis Bayly

Logo que você acorda de manhã, mantenha bem fechada a porta do seu coração, para que nenhum pensamento terreno entre antes de Deus entrar. Deixe que Ele tenha o primeiro lugar ali, à frente de todos os demais. Assim, os maus pensamentos não se atreverão a entrar, ou serão mantidos fora mais facilmente. E o coração irá saborear mais da piedade cristã e do temor de Deus o dia todo. 

Todavia, se você, ao se despertar, não encher o seu coração com algumas meditações sobre Deus e Sua Palavra, o mal virá. Se não o preparar, como a lâmpada do tabernáculo (Ex 27.20,21), toda manhã e toda noite, com o óleo puro da Palavra de Deus, e não o perfumar com o suave incenso da oração (Ex 30.6,7), satanás tentará enchê-lo de preocupações mundanas ou de desejos carnais, de modo que ficará inepto para o serviço de Deus o dia todo. E só se prestará para exalar o mau cheiro de palavras corruptas e mentirosas, e de pensamentos temerários e blasfemos. 

Portanto, comece cada dia com a Palavra de Deus e com oração. Ofereça a Deus, no altar de um coração contrito, os gemidos do seu espírito, os novilhos dos seus lábios, como sacrifício matutino e como as primícias do dia (SI 51.17; Rm 8.22; Os 13.2; SI 130.6). Assim que você acordar, diga isto a Deus: “Minha alma Te aguarda, ó Senhor, mais do que a vigília da manhã aguarda a manhã! Sê, pois, misericordioso para comigo, ó Deus; abençoa-me, e faz resplandecer o Teu rosto sobre mim! Enche-me da Tua misericórdia esta manhã, para que eu me regozije e me alegre todos os dias da minha vida”. 

 MEDITAÇÕES PARA A MANHà

1) O Deus todo-poderoso, na ressurreição, poderá levantar você do sono da morte com a mesma facilidade com que esta manhã o levantou do sono da natureza. Na aurora do dia da ressurreição, Cristo virá para ser glorificado em Seus santos. Nesse dia, todos e cada um dos corpos dos milhares de Seus santos, modelados à semelhança do Seu corpo glorioso, brilharão como o sol (2Ts 1.10; Jd 14; Fp 3.21; Lc 9.31), todos os anjos resplandecendo em sua glória, o corpo de Cristo sobrepujando todos eles em esplendor e glória, e a Divindade superando tudo em todos. Se o nascer do sol torna o céu matinal tão glorioso, que manhã fulgurante e gloriosa será aquela em que muitos milhares de milhares de corpos, muito mais brilhantes do que o sol, aparecerão e acompanharão Cristo como o Seu séquito glorioso! Eles virão para realizar a Sua assembléia geral de justiça (At 17.31; ICo 6.3; Jd 15). Eles não deixarão que nenhum transitório proveito ou prazer ou vangloria deste dia leve você a perder a sua parte e participação da  eterna bem-aventurança e glória daquele dia, apropriadamente descrita como ressurreição dos justos (Lc 14.14). Os animais têm olhos físicos para verem a luz comum do dia; esforce-se, porém, para prever, com os olhos da fé, a luz gloriosa daquele dia. 

2) Você não sabe quão perto o espírito maligno, rugindo noite e dia como leão, andou a seu redor procurando devorá-lo (lPe 5.8; Jó 1.7), enquanto você dormia e não podia se defender. E você não sabe o mal que ele lhe teria feito, se Deus não tivesse protegido você e os seus com a Sua providência sempre vigilante, e não o tivesse guardado com os Seus santos e benditos anjos (Jó 1.10; SI 121.4; 34.7; Gn 32.1,2: 2Rs 6.16). 

3) Se você ouvir o galo cantar, lembre-se de Pedro, para imitá-lo I (Lc 22.61,62), e tenha em mente aquele cantar do galo que é o som da última trombeta, que o despertará dentre os mortos. E considere i em que situação você estaria se a trombeta soasse agora, e trate de se transformar para ser como gostaria de ser quando isso acontecer. 

Tome todos os cuidados possíveis, para não suceder que naquele dia venha a preferir nunca ter visto o que agora vê; sim, e então venha a amaldiçoar o dia do seu nascimento natural, por não ter nascido de novo pela graça espiritual (Jr 20.14; Jó 3.1; Tt 3.5). Quando o galo canta, o ladrão perde a esperança e desiste do que planejara para aquela noite. Assim também, o diabo para de tentar ou de procurar qualquer outra coisa quando ouve a alma devota se despertar de manhã com uma oração matutina. 

4) Lembre-se de que o Deus todo-poderoso está perto da sua cama e vê o seu deitar e o seu levantar. Ele entende os seus pensamentos e conhece bem os seus caminhos (SI 139.2,3). Lembre-se, igualmente, dos santos anjos de Deus, que o protegiam e que velavam por você a noite toda e que também observam como você acorda e se levanta (Gn 31.55; 32.1,2). Portanto, faça tudo como se estivesse, e na realidade está, na temível presença de Deus e aos olhos dos Seus santos anjos (SI 91.5,11; At 12.11). 

5) Quando você estiver se vestindo, lembre-se de que as vestes foram dadas primeiramente para cobrir a vergonha do ser humano, isto é, os efeitos do seu pecado. E lembre-se de que elas foram feitas apenas de restos de animais mortos. Portanto, se você levar em consideração a substância, ou seja, a primeira estrutura ou constituição, você terá muito fraco motivo para se orgulhar dessas vestes, e, em contraste, terá forte motivo para se humilhar, tanto ao vê-las quanto ao usá-las. Por quê? Porque as mais ricas vestimentas são apenas finas coberturas da vergonha humana. Melhor será que você medite em que, assim como a sua roupa serve para cobrir a vergonha do seu ser e para proteger o seu corpo do frio, assim também você deve ter o cuidado de cobrir a sua alma com a veste nupcial, que é a justiça de Cristo (porque apreendida por nossa fé), a chamada justiça dos santos (Mt 22.11; Rm 13.14; ICo 1.30; Fp 3.9; Ap 19.8; Ef 4.24). Faça isso para não suceder que, enquanto estamos ricamente vestidos aos olhos dos homens, sejamos vistos andando nus, pondo à mostra a nossa imundície, aos olhos de Deus (Ap 16.15). Ao contrário, porém, para que, com a Sua justiça, como que com um traje, possamos nos cobrir de uma vergonha perpétua e escudar as nossas almas, protegendo-as do cruel frio que produz choro eterno e eterno ranger de dentes (Mt 22.13). Além disso, considere quão abençoada seria a nossa nação se cada conjunto de seda cobrisse uma alma santificada! E, todavia, costuma-se pensar que daqueles a quem Deus concede mais dessas bênçãos exteriores, Ele recebe as maiores expressões de gratidão sincera, interior (Lc 12.48). Entretanto, se isso comprovar o contrário, o cômputo se comprovará mais pesado no dia da sua prestação de contas. 

6) Considere como a misericórdia de Deus lhe é renovada cada manhã, dando-lhe, por assim dizer, uma nova vida (Lm 3.23; SI 19.5), e fazendo o sol, em sua incessante corrida, surgir de novo para emitir luz para você. Não deixe, então, que essa gloriosa luz lance o seu calor em vão. Em vez disso, antecipe o nascer do sol quantas vezes puder para dar graças a Deus (Lc 12.49). Ajoelhe-se ao lado da sua cama, apresente a Deus as suas saudações ao raiar do dia com algum solilóquio antelucanumí (antes do romper da manhã) ou matinal. Veja que a sua devoção contenha uma humilde confissão dos seus pecados, a busca do perdão de todas as suas faltas, uma ação de graças por todos os benefícios recebidos dEle e uma súplica, rogando a Sua graciosa proteção para a Sua Igreja, para você e para todos os seus.


 Lewis Bayly

segunda-feira, 10 de março de 2025

Qual a diferença entre crente, evangélico e católico? | Augustus Nicodemus

A palavra "crente", em seu sentido amplo, refere-se a qualquer pessoa que afirma crer em Deus e em Cristo. No entanto, dentro do contexto evangélico, o termo ganhou um peso radical: não se trata de mera identificação religiosa ou tradição herdada, mas de uma conversão pessoal e transformadora a Cristo, marcada por uma fé viva e comprometida com os princípios das Escrituras. Enquanto o catolicismo romano frequentemente se contenta com uma fé ritualística e passiva, os evangélicos rejeitam essa superficialidade, exigindo uma adesão consciente e prática aos ensinamentos bíblicos, sem concessões ao formalismo vazio.  

O termo "evangélico" surge como um protesto direto contra os desvios doutrinários da Igreja Católica Romana. Durante a Reforma Protestante do século XVI, liderada por Lutero, Calvino e outros, a autoridade papal e as tradições humanas foram confrontadas com a verdade incontestável da sola Scriptura (somente a Bíblia). Os evangélicos rejeitaram veementemente a ideia de que a salvação pudesse ser negociada por meio de sacramentos, indulgências ou intermediação clerical — práticas que o catolicismo mantém até hoje, distorcendo o evangelho. Para os evangélicos, a salvação é exclusivamente pela graça (sola gratia) e somente pela fé (sola fide) em Cristo, sem a necessidade de uma hierarquia religiosa que se coloque como "portadora" da graça divina.  

Já o catolicismo romano se distingue por sua submissão à tradição e ao magistério papal, frequentemente colocados acima das Escrituras. A Igreja Católica acumulou, ao longo dos séculos, doutrinas extrabíblicas — como a veneração de santos, a mariolatria, o purgatório e a transubstanciação — que os reformadores denunciaram como invenções humanas que desvirtuam o evangelho. Enquanto os evangélicos pregam o sacerdócio universal de todos os crentes (1 Pedro 2:9), o catolicismo mantém um sistema clericalista, no qual a salvação é supostamente mediada por ritos e sacramentos controlados pela instituição. 

Além disso, o Concílio de Trento (1545-1563), resposta da Igreja Católica à Reforma, condenou explicitamente os princípios evangélicos, declarando anátema quem ousasse afirmar que a justificação é somente pela fé — um posicionamento que até hoje marca a incompatibilidade teológica insuperável entre as duas vertentes.  

Em resumo, enquanto o evangélico fundamenta sua fé exclusivamente na Bíblia e na obra completa de Cristo na cruz, o católico permanece preso a uma estrutura religiosa que mistura graça com mérito humano, subordinando a salvação a ritos e tradições impostos pela hierarquia clerical. Ainda que alguns católicos se declarem "crentes", sua fé é frequentemente diluída por práticas questionáveis que contrariam o cerne do evangelho. A verdadeira diferença, portanto, não está apenas na nomenclatura, mas em quem detém a autoridade: para os evangélicos, é a Palavra de Deus; para os católicos, é a instituição que, historicamente, perseguiu aqueles que ousaram desafiar seus dogmas. Essa divisão não é mera disputa teológica — é um abismo intransponível entre a verdade bíblica e um sistema que ainda insiste em obscurecê-la.

Augustus Nicodemus

sexta-feira, 7 de março de 2025

Quaresma? | Augustus Nicodemus

A igreja reformada não observa a Quaresma como um período litúrgico oficial porque entende que a vida cristã deve ser um contínuo exercício de arrependimento, oração e serviço, e não algo confinado a um período específico do ano. 

Martinho Lutero, nas suas "95 Teses", começou sua crítica à penitência como prática mística e distorcida da fé cristã. As cinco primeiras teses são fundamentais para entender a questão:  

1. "Quando nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo disse: 'Arrependei-vos' (Mt 4:17), Ele quis que toda a vida dos crentes fosse de arrependimento". – Lutero destaca que o arrependimento não pode ser reduzido a um período litúrgico como a Quaresma. É um chamado contínuo.  

2. "Essa palavra não pode ser entendida como penitência sacramental (isto é, a confissão e a satisfação administradas pelo sacerdote)". – Aqui, ele rejeita a ideia de que a penitência externa, como jejum ou abstinência, tenha valor para a salvação.  

3. "No entanto, isso não significa apenas arrependimento interior; pois tal arrependimento interior é inútil se não produz várias mortificações da carne". – Lutero reconhece que o verdadeiro arrependimento gera frutos, mas não como um sistema ritualístico de sacrifícios.  

4. "Por isso permanece a pena enquanto permanece o ódio próprio (isto é, o verdadeiro arrependimento interior), a saber, até a entrada no Reino dos Céus". – O verdadeiro cristianismo é viver em contínuo arrependimento, e não em períodos isolados de sacrifícios temporários.  

5. "O papa não quer nem pode remitir qualquer outra pena, senão aquela que impôs por sua própria vontade ou segundo os cânones". – Lutero ataca a ideia de que uma autoridade eclesiástica pode criar períodos especiais de penitência ou que esses tenham valor espiritual especial.  

A prática da Quaresma, da forma como é feita em muitas tradições, tem um tom místico e legalista, sugerindo que um período de esforço humano tem valor especial diante de Deus. No entanto, a Escritura nos ensina que o verdadeiro cristão vive diariamente em arrependimento e santificação, não para merecer algo, mas como resposta ao que Cristo já fez.

Augustus Nicodemus