sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

O Pecado e sua maldade

Para compreendermos a natureza do pecado e os fundamentos da luta contra ele segundo Jerry Bridges, precisamos olhar além das definições superficiais de comportamento e mergulhar em uma visão teológica que envolve tanto a nossa identidade quanto a majestade de Deus.

A Natureza Maligna do Pecado Nas fontes, Bridges argumenta que o pecado não deve ser visto apenas como os grandes escândalos morais da sociedade, mas como uma "malignidade espiritual e moral" que habita inclusive nos crentes. Ele utiliza a analogia do câncer: assim como um tumor maligno tem um potencial ilimitado de crescimento e invasão (metástase), o pecado, se deixado à vontade, contamina todas as áreas da nossa vida e se espalha para aqueles ao nosso redor,.

A gravidade do pecado reside no fato de que ele é uma ofensa direta a Deus. Bridges define o pecado como uma "traição cósmica" e uma rebeldia contra a autoridade soberana de Deus. Mesmo os pecados que consideramos "intocáveis" ou sutis — como ansiedade, frustração, ingratidão ou orgulho — são, na verdade, ataques à majestade e ao governo de Deus. Biblicamente, desprezar a lei de Deus é desprezar o próprio Deus, o que torna qualquer pecado algo hediondo aos Seus olhos,.

Uma percepção fundamental trazida pelo autor é que a raiz de todos esses pecados é a impiedade. Impiedade, aqui, não significa necessariamente perversidade, mas sim o ato de viver o dia a dia sem levar Deus em consideração,. É realizar as atividades diárias, tomar decisões e viver a vida como se Deus fosse irrelevante ou não existisse, o que acaba servindo de solo fértil para que outros pecados cresçam.

Os Fundamentos da Luta contra o Pecado O combate ao pecado não começa com força de vontade, mas com identidade e dependência.

  1. Identidade de "Santo": O fundamento primário é entender quem somos. Bridges explica que todo cristão é um "santo", não por suas realizações, mas por seu estado de ser "separado para Deus",. Fomos comprados e reservados para Ele. Assim, o pecado deve ser visto como uma "conduta imprópria a um santo", uma violação da nossa nova natureza e chamado. A luta contra o pecado é, essencialmente, o esforço para viver de acordo com quem já somos em Cristo.
  2. A Necessidade Diária do Evangelho: Muitas vezes pensamos que o evangelho é apenas para a salvação inicial, mas Bridges insiste que precisamos dele diariamente para lidar com a culpa e o poder do pecado. O evangelho nos assegura que nossos pecados estão perdoados, o que nos dá a segurança e a liberdade para sermos honestos sobre nossas falhas sem sermos esmagados pela culpa,. Saber que Deus não nos condena, mas está ao nosso lado nessa batalha, é o que nos motiva a lutar.
  3. Responsabilidade Dependente: A dinâmica da luta é descrita como "responsabilidade dependente". Isso significa que somos responsáveis por agir, obedecer e mortificar o pecado, mas somos totalmente dependentes do Espírito Santo para nos capacitar a fazer isso. Não podemos ser passivos, mas também não podemos confiar na nossa própria força; é o Espírito que torna a vitória possível, aplicando a obra de Cristo em nós,.

Estratégias Práticas Para travar essa batalha, o autor sugere "pregar o evangelho a si mesmo todos os dias", lembrando-se do perdão e da justiça de Cristo,. Além disso, devemos identificar áreas específicas de pecado (como ansiedade, que é falta de confiança na providência de Deus, ou ingratidão), memorizar versículos aplicáveis e orar continuamente pedindo a ajuda do Espírito,.

Uma Analogia para Conclusão Pense na natureza do pecado e na luta contra ele como o tratamento de uma doença grave, como o câncer mencionado pelo autor. Ignorar os sintomas (os pecados sutis como impiedade ou ansiedade) porque não parecem letais imediatamente é permitir que a doença (a malignidade moral) se espalhe e comprometa todo o corpo,. O evangelho age como o diagnóstico preciso e a cura garantida que remove a condenação fatal da doença, enquanto o Espírito Santo é o médico residente que administra o tratamento diário, nos fortalecendo e guiando no processo doloroso, mas necessário, de extirpar o que não pertence a um corpo saudável e vivo,. Nossa tarefa não é fingir que estamos saudáveis, mas nos submeter ativamente a esse tratamento, confiando na competência daquele que nos cura.

Pb. Evandro Marinho

Fonte: Pecados Intocáveis

Liderar como Cristo: O Caminho do Servo para o Líder Cristão

Introdução: Redefinindo a Grandeza na Liderança

No exercício da liderança cristã, a questão da grandeza surge com uma inevitabilidade desconcertante. Os modelos mundanos, focados em poder, domínio e autoridade hierárquica, oferecem um caminho claro, mas fundamentalmente oposto ao paradigma radical estabelecido por Cristo. Essa tensão é perfeitamente capturada na cena em que os próprios discípulos de Jesus, em um momento de vulnerabilidade humana, discutiam "sobre qual deles parecia ser o maior" (Lucas 22.24). Esta disputa não é um artefato histórico, mas um espelho que reflete a inclinação natural do coração humano para a autopromoção e o status.

Em resposta a essa busca por proeminência, Jesus não oferece uma mera correção, mas uma completa reengenharia da grandeza. A verdadeira liderança no Reino de Deus, portanto, não é um aprimoramento dos modelos seculares, mas uma imitação radical do próprio Cristo. O chamado para o líder cristão é inequívoco e está fundamentado no mandamento de "andar assim como ele andou" (1 João 2.6). Este artigo argumenta que o caminho para uma liderança autêntica e eficaz é um caminho de serviço, cuja fundação inabalável é a humildade demonstrada pelo Mestre.

1. O Fundamento Inabalável: A Humildade de Cristo

No léxico da liderança, a humildade é frequentemente mal interpretada como fraqueza ou passividade. No entanto, no paradigma de Cristo, a humildade não é a ausência de força, mas a fonte do verdadeiro poder espiritual. É a característica que o próprio Cristo usou para se descrever, oferecendo-a não como um ideal distante, mas como o ponto de partida para todos que desejam segui-lo.

O convite de Jesus em Mateus 11.29 é um chamado direto e pessoal: "Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração". Esta não é uma sugestão, mas um mandamento para que os líderes modelem seu caráter interno a partir do exemplo do Mestre. É um chamado para aprender dAquele que, sendo o Rei do universo, escolheu a submissão e a mansidão como suas marcas distintivas.

A profundidade dessa humildade é detalhada de forma magistral no hino de Filipenses 2.5-8, que descreve a descida voluntária de Cristo. Essa jornada de esvaziamento pode ser compreendida em quatro estágios cruciais:

  • Do céu para a terra: O Príncipe da glória, que desde a eternidade habitava em glória indescritível, tornou-se o Filho do Homem, nascendo em um estábulo e sujeitando-se às limitações de um mundo caído. Aquele que era infinitamente rico "se fez pobre por amor de vós" (2 Coríntios 8.9).
  • Da glória para a humildade: O Criador andou sobre o planeta que chamou à existência, mas "o mundo não o conheceu" (João 1.10). Ele viveu uma vida de obscuridade, incompreensão e rejeição, trocando o louvor celestial pela perseguição terrena.
  • De mestre para servo: O Rei dos reis tornou-se o servo dos pecadores. Ele se submeteu a pais terrenos, exerceu um ofício comum e, em seu ministério, associou-se aos marginalizados da sociedade. Sua missão foi definida por esta verdade: "não veio para ser servido, mas para servir" (Mateus 20.28).
  • Da vida para a morte: Como ato final de humildade, o "Autor da vida" (Atos 3.15) submeteu-se voluntariamente à morte nas mãos de homens ímpios, morrendo de forma vergonhosa em uma cruz para redimir pecadores indignos.

Enquanto o líder mundano busca uma ascensão de quatro estágios rumo ao poder, o "líder servo" emula a descida de quatro estágios de Cristo rumo ao serviço. A aplicação prática para o líder cristão é direta e desafiadora. Conforme Filipenses 2.3 nos instrui, devemos agir "com humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo". O "líder servo" é chamado a avaliar constantemente suas atitudes e ações: elas promovem o eu ou elevam os outros? Esta postura interna de humildade, que se esvazia do ego, é o que prepara o terreno para a motivação externa da compaixão.

2. O Coração do "Líder Servo": A Compaixão que Vê as Pessoas

Para Cristo, a liderança nunca foi sobre gerenciar processos, otimizar recursos ou alcançar métricas de sucesso. Foi, e sempre será, sobre se importar profundamente com as pessoas. A compaixão não era um adendo ao seu ministério, mas o motor que o impulsionava. Ela transformava necessitados anônimos em indivíduos vistos, ouvidos e tocados pelo amor de Deus. Os Evangelhos ilustram vividamente a compaixão de Cristo em ação:

  • Pessoas que sofriam fisicamente: Diante do clamor de dois cegos à beira da estrada, a multidão tentou silenciá-los. Jesus, no entanto, parou. "Condoído, Jesus tocou-lhes os olhos, e imediatamente recuperaram a vista" (Mateus 20.30-34). Sua compaixão superou a conveniência e a pressa.
  • Pessoas que sofriam com o luto: Ao encontrar o cortejo fúnebre do filho único de uma viúva em Naim, Jesus "se compadeceu dela e lhe disse: Não chores!" (Lucas 7.12-13). Ele entrou na dor daquela mulher e a transformou em alegria.
  • Pessoas rejeitadas pela sociedade: Quando um leproso, um pária social, se aproximou de joelhos, a resposta de Jesus foi radical. "Profundamente compadecido, estendeu a mão, tocou-o" (Marcos 1.40-41). Este toque foi teologicamente revolucionário. Sob a Lei Levítica, tocar um leproso tornava uma pessoa cerimonialmente impura. No entanto, Cristo inverte esta lei espiritual: a Sua pureza flui para o impuro, curando-o. Com este gesto, Ele demonstrou que a Sua compaixão anula as barreiras cerimoniais e que ninguém está além do Seu toque restaurador.
  • Pessoas espiritualmente perdidas: Olhando para as multidões, Jesus não via uma massa anônima, mas indivíduos "aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor". E, por isso, "compadeceu-se delas" (Mateus 9.36), movendo-se para ensinar e guiar.

Essa compaixão teve um custo imenso. Custou-lhe Sua energia, ao passar dias exaustivos ministrando aos necessitados. Custou-lhe Sua reputação, sendo rotulado pejorativamente como "amigo dos pecadores". E, finalmente, custou-lhe Sua própria vida, em um ato supremo de amor sacrificial na cruz. A compaixão de Cristo não era um sentimento passivo; era um amor ativo que o levou a agir, mesmo que isso significasse um grande sacrifício pessoal. Este amor compassivo encontra sua expressão prática mais emblemática no exemplo da toalha e da bacia.

3. A Expressão Máxima do Serviço: O Exemplo da Toalha e da Bacia

A cena do lava-pés, narrada em João 13, não é apenas uma lição de humildade; é a demonstração definitiva e prática da teoria da liderança servidora. Enquanto os discípulos ainda debatiam verbalmente sobre a grandeza, Jesus ofereceu a resposta definitiva, não com um sermão, mas com uma toalha. Neste ato, Ele transformou para sempre o significado de autoridade, poder e grandeza no Reino de Deus.

O contraste apresentado no texto é crucial para o líder. Jesus realizou a tarefa mais servil, reservada ao mais baixo dos escravos, sabendo plenamente "que o Pai tudo confiara às suas mãos, e que ele viera de Deus, e voltava para Deus" (João 13.3). Ele agiu não a partir de uma posição de fraqueza ou insegurança, mas de absoluta certeza sobre sua identidade e autoridade divinas. Ele usou seu poder e sua posição não para exigir serviço, mas para servir. Ele pegou a toalha e a bacia precisamente porque sabia quem era, redefinindo a grandeza não como o direito de ser servido, mas como o privilégio de servir.

Após o ato, o mandamento de Jesus é explícito e inescapável, estabelecendo um novo padrão para todos os seus seguidores:

"Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também." (João 13.15)

Este exemplo prático reforça sua instrução verbal registrada em Mateus 20.25-28. Ali, Ele proíbe explicitamente o modelo de liderança mundano, baseado em domínio e poder, declarando: "Não é assim entre vós". Em vez disso, Ele estabelece o serviço como o caminho para a verdadeira grandeza e aponta para Sua própria missão como o modelo supremo: "...o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir, e dar a sua vida em resgate por muitos". A toalha e a bacia são símbolos poderosos, mas apontam para uma realidade ainda mais profunda: o serviço do líder-servo encontra seu ápice no sacrifício.

4. O Custo Final: O Sacrifício do Líder

No coração da liderança cristã reside um profundo paradoxo: para verdadeiramente ganhar a vida, é preciso perdê-la. O serviço autêntico, quando levado às suas últimas consequências, inevitavelmente conduz ao sacrifício do ego, do interesse próprio e da autopromoção. Este não é um caminho de autonegação por si só, mas de uma reorientação radical em direção a Cristo e aos outros.

A cruz permanece como o maior e mais definitivo ato de amor e serviço da história. É o padrão pelo qual todo serviço cristão é medido. "Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós" (1 João 3.16). A liderança que segue os passos de Cristo entende que o serviço sacrificial não é uma opção, mas o próprio cerne do chamado. Jesus articulou esse custo de forma clara em Lucas 9.23: "Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me." O custo do discipulado, e por extensão da liderança, pode ser desmembrado em três compromissos diários:

  • Negar-se a si mesmo: Isto significa uma renúncia consciente ao egoísmo, à agenda pessoal e à busca incessante por reconhecimento. É a decisão de destronar o "eu" e entronizar a Cristo como Senhor de nossas ambições e motivações.
  • Tomar a cruz diariamente: A cruz não é um símbolo de um inconveniente trivial, mas de morte. No contexto da liderança, isto significa aceitar a morte para a necessidade de receber o crédito, de ter a última palavra, ou de proteger a própria reputação em detrimento da verdade. É uma rendição contínua do controle.
  • Seguir a Cristo diariamente: Este é o resultado prático dos dois primeiros. Seguir a Cristo significa viver ativamente de acordo com o Seu caminho, e não com o nosso. É alinhar nossas ações, palavras e decisões com o caráter e os mandamentos do Mestre que servimos.

Jesus desafia cada líder a considerar o custo eterno de suas escolhas com uma pergunta sóbria: "Pois quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará. Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se ou a causar dano a si mesmo?" (Lucas 9.24-25). A liderança egocêntrica pode oferecer ganhos temporários, mas a um custo eterno devastador. Em contraste, uma vida de serviço sacrificial, embora custosa no presente, garante a recompensa final e verdadeira. Este chamado radical exige uma aplicação constante e refletida em nossa jornada diária.

Conclusão: Andando nos Passos do Mestre

Liderar como Cristo não é adotar uma nova técnica de gestão, mas abraçar uma transformação de coração que se manifesta em ação. É um caminho que inverte as noções mundanas de poder e redefine a grandeza através do serviço. Este caminho é sustentado por quatro pilares fundamentais, modelados perfeitamente por nosso Senhor:

  1. Humildade: O alicerce que nos esvazia do ego.
  2. Compaixão: O motor que nos move em direção às pessoas.
  3. Serviço Prático: A manifestação que transforma a teoria em ação.
  4. Sacrifício: O ápice que prova a autenticidade do nosso amor.

O chamado para cada líder cristão é, portanto, um convite à autoavaliação honesta. Diante do exemplo de Cristo, devemos nos perguntar com sinceridade: sou um verdadeiro líder seguidor de Cristo? Ou apenas uma imitação barata, um "Sonho Americano folheado a Jesus"? Que o nosso anseio mais profundo seja o de refletir o caráter do Mestre em cada aspecto de nossa vida e liderança.

Toma meu coração Serei somente teu; Toma meu coração E faça-o totalmente teu; Purifica-me do pecado, Oh, Senhor, agora imploro, Lava-me e guarda-me Contigo para sempre.

— Charles H. Gabriel

Pb. Evandro Marinho

Liderar como Cristo: O Caminho do Servo para o Líder Cristão (Vídeo)

Estudo baseando no livro de Larry McCall - Andando nos passos de Jesus (Ed. Fiel)

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Quatro Verdades Inesperadas Sobre Liderança | Evandro Marinho

Introdução: O Que Realmente Constrói um Líder?

Quando pensamos em liderança, imagens de poder, eficiência e controle costumam vir à mente. A cultura moderna nos ensina a valorizar o líder que sobe a escada corporativa com agilidade, que otimiza processos e que mantém tudo sob rédea curta. Acreditamos que ser um bom gerente é o ápice da liderança, uma métrica de sucesso medida em gráficos de produtividade.

Mas e se essa percepção estiver incompleta? A verdadeira liderança, aquela que inspira lealdade e sobrevive a crises, não se baseia apenas em habilidades. A fonte de sua influência é mais profunda, pois, como afirma um antigo manual de liderança, “a confiança tem suas raízes no caráter”. É por isso que o caráter é central na liderança efetiva. Sem ele, as técnicas mais sofisticadas são apenas andaimes frágeis.

Neste artigo, vamos explorar quatro verdades contraintuitivas que formam o alicerce desse caráter. Elas se conectam para revelar que a liderança eficaz começa não com o que você faz, mas com quem você é.

1. Ser um bom gerente não faz de você um líder.

A primeira verdade pode soar chocante: gerenciamento e liderança são duas funções completamente distintas. Embora frequentemente usados como sinônimos, seus propósitos são fundamentalmente diferentes.

O gerenciamento foca em controle, eficiência e regras. Seu lema é "fazer as coisas de uma forma correta". Um bom gerente garante que os processos funcionem, que as metas sejam atingidas e que a organização opere como uma máquina bem lubrificada.

A liderança, por outro lado, se preocupa com direção, propósito e o bem-estar das pessoas. Seu lema é "fazer as coisas corretas". Um líder inspira uma visão, estabelece a justificativa moral para a missão e determina se os esforços da equipe estão alinhados com os valores certos. A liderança atrai seguidores voluntários, enquanto o gerenciamento pode exigir obrigação.

"Gerenciamento é eficiência subindo a escada do sucesso; liderança determina se a escada está posta contra a parede certa".

Essa distinção é crucial. Sem uma liderança focada em um propósito moralmente sólido, uma organização pode se tornar extremamente eficiente em subir a escada errada. A capacidade de gerenciar tarefas é importante, mas torna-se perigosa se a direção estiver equivocada. É essa visão de propósito que nos leva à segunda verdade: a grandeza do líder não está em sua posição, mas em sua postura.

2. A verdadeira grandeza começa ao escolher ser o último.

Em um mundo obcecado por status, a ideia de que a liderança genuína nasce do serviço — o princípio da liderança servidora — é um paradoxo poderoso. A sabedoria antiga nos ensina que o caminho para o topo não é escalando sobre os outros, mas se curvando para servir.

A escritora Elisabeth Elliot capturou essa verdade de forma brilhante:

"É um dos paradoxos bíblicos onde o princípio da Cruz entra em operação — você ganha, perdendo; e torna-se maior, tornando-se menor. Quando nós, como Igreja, evitamos a Cruz, estamos nos privando da possibilidade da verdadeira liderança espiritual."

Liderança servidora não significa ausência de poder; significa seu uso correto e eficaz. O poder, afinal, é a capacidade de garantir o resultado que um líder deseja realizar e prevenir aqueles que ele deseja evitar. O líder-servo não busca autoridade para autoenriquecimento, mas a utiliza estrategicamente para servir a um propósito maior e ao bem-estar de sua equipe. O exemplo supremo é o de Jesus, que afirmou: "não veio para ser servido, mas para servir".

Essa abordagem constrói uma base sólida de confiança. Como os sábios anciãos aconselharam o rei Roboão: "Se, hoje, te tornares servo deste povo, e o servires, e, atendendo, falares boas palavras, eles se farão teus servos para sempre". Contudo, para servir de forma consistente, um líder precisa de uma fortaleza interior: a integridade.

3. A queda de um líder nunca é repentina.

As manchetes sobre falhas de liderança dão a impressão de que a queda é um evento súbito. A realidade é outra. A ruína de um líder é como a de uma grande árvore: ela apodrece lentamente por dentro, até que um vento forte finalmente a derruba.

O alicerce da influência de um líder é uma integridade moral inabalável — um princípio muitas vezes chamado de santidade. Do ponto de vista prático, a santidade coincide com uma boa reputação. A confiança é a moeda da liderança, e quando a reputação é manchada, "ser irrepreensível" torna-se uma meta distante.

O processo de apodrecimento interno tem sinais de alerta claros: baixa disciplina em áreas como fantasias, apetites e vícios; falta de compromisso com princípios éticos; e a recusa em prestar contas. O líder que acredita não responder a ninguém além de si mesmo já está em um caminho perigoso.

Stephen Neill, um missionário e bispo, ofereceu uma advertência sóbria sobre uma fase vulnerável:

"Os anos, entre quarenta e cinquenta, são os mais perigosos da vida de um homem. Esse é o tempo em que nossas fraquezas internas são mais propensas a aparecer [...]"

A integridade, portanto, não é um estado, mas um processo contínuo de vigilância. A autovigilância e a prestação de contas são mecanismos de proteção. E é essa integridade que abre a porta para a forma mais elevada de discernimento: a sabedoria.

4. Existe uma sabedoria que a inteligência não alcança.

Liderança eficaz exige sabedoria, mas não o tipo que o mundo normalmente valoriza. É preciso distinguir entre a "inteligência" — a habilidade de resolver problemas, muitas vezes para benefício próprio — e a "sabedoria que vem do alto".

A sabedoria terrena, focada em vantagens pessoais, tende a gerar "inveja amargurada" e "sentimento faccioso". Ela cria contendas, pois cada decisão é calculada com base no ganho próprio.

Em contraste, a sabedoria celestial, descrita no livro de Tiago, é radicalmente diferente. Suas características são: "pura" (livre de interesses egoístas), "gentil" (preocupada com os outros), "razoável" (disposta a ceder) e "plena de misericórdia". O resultado dessa sabedoria não é a disputa, mas a paz.

O profeta Daniel é um exemplo extraordinário dessa sabedoria em ação. O gênio de sua liderança estava em separar sua convicção de seu método. Sua convicção era inegociável: "não se contaminar" com a comida do rei. Seu método, no entanto, foi sábio, gentil e razoável: ele propôs um teste de dez dias. Essa abordagem evitou um conflito direto, provou seu ponto pacificamente e, no final, honrou seus princípios, encarnando perfeitamente a sabedoria do alto.

Essa sabedoria superior permite que um líder navegue por situações complexas de uma maneira que honra os valores enquanto cuida das pessoas, promovendo a harmonia em vez da contenda.

Conclusão: O Líder Que Você Escolhe Ser

A jornada pela liderança revela que suas fundações não são construídas com poder ou inteligência mundana. A liderança mais impactante é edificada sobre o caráter. Ela começa com a clareza para distinguir a liderança do gerenciamento, floresce na humildade de servir, é protegida por uma integridade vigilante e guiada por uma sabedoria que transcende o intelecto. Essas quatro verdades não são lições separadas, mas facetas de um mesmo alicerce.

No final, a liderança não é sobre a escada que você sobe, mas sobre a parede em que ela se apoia. Qual será o alicerce da sua? 

Baseado no livro "O líder que Deus usa" - Dr. Russell Shedd

Pb. Evandro Marinho

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

O Moinho, o Clamor e a Graça (Jz 16.19-31) | Gilson Santos

Juízes 16.19–31
 
Imagine um homem empurrando, todos os dias, uma enorme pedra montanha acima, apenas para vê-la rolar de volta. Sem fim, sem avanço. Esse é Sísifo, personagem da mitologia grega que, para o filósofo Albert Camus, representa a vida sem sentido: trabalho sem fruto, esforço sem transcendência. Camus conclui: “É preciso imaginar Sísifo feliz.” Mas será mesmo?
 
As Escrituras nos apresentam outro homem, real, não mitológico. Seu nome é Sansão. Um herói separado desde o ventre, consagrado a Deus, juiz em Israel. Mas agora, vemos esse homem cego, acorrentado, humilhado, girando um moinho no cárcere dos filisteus. Também ele gira, dia após dia, preso num ciclo. Mas ao contrário de Sísifo, Sansão ora. E é por isso que sua história não termina no moinho, mas na graça.
 
Juízes 16.19–31 registra o último capítulo da vida de Sansão. Após anos de escolhas impulsivas e desrespeito à aliança, ele é traído por Dalila, tem seus cabelos cortados, perde a força, é capturado, cegado e forçado a viver como escravo. No entanto, este mesmo homem, quebrado e derrotado, faz algo que jamais havia feito com esse coração: clama ao Senhor. E por esse clamor, ele recupera não apenas sua força, mas o propósito de sua existência. A vida, mesmo no fim, ganha sentido.
 
Sansão estava debaixo do voto de um nazireu, e quando se despreza a aliança com Deus, a existência humana assiste à perda do sentido. Mas quando se clama ao Senhor, mesmo no fim, ainda é possível morrer com fé e cumprir propósito.
 
Sansão perdeu a sua força quando desprezou a aliança com Deus. Dalila não fez nada além de cortar os cabelos que simbolizavam o voto de consagração. E, com isso, “retirou-se dele o Senhor, e ele não sabia”. Aqui está uma das frases mais tristes da Escritura: Sansão não sabia que a presença de Deus havia partido. Ele agia como se tudo ainda estivesse em seu lugar — mas a característica unção havia se retirado. O corpo continuava aparentemente forte, a lembrança da força ainda presente, mas o favor de Deus estava quebrado. Assim começa a ruína: quando pensamos que sairemos “como antes”, mesmo após termos perdido a sensibilidade espiritual.
 
Depois disso, vieram as correntes e a escuridão. Sansão, já cego por dentro, agora é cego por fora. E o moinho... o moinho gira. Uma pesada pedra sobre a outra. Dia após dia. Um movimento circular, repetitivo, mecânico — símbolo apropriadamente alegórico da vida sem direção, sem vocação, sem presença de Deus. Ali está o antigo juiz de Israel, reduzido à tarefa de um jumento, empurrando uma pedra que nunca leva a lugar algum. Muitos hoje vivem assim: movem-se muito, mas sem avançar; produzem, mas sem frutificar. Ritmo sem sentido. Ativismo sem presença. Cansaço sem redenção.
 
E, como se não bastasse, Sansão se torna espetáculo. Os filisteus celebram a sua derrota, não como um triunfo militar, mas como uma vitória religiosa: “Nosso deus Dagom nos entregou Sansão.” O servo do Senhor vira brinquedo no templo de um ídolo. A patética incoerência do servo virou munição para o escárnio dos inimigos. Aqui está o escândalo do servo em ruína: quando o povo de Deus tropeça, o nome de Deus é blasfemado. O templo pagão ecoa risos. A glória de Deus, zombada. Mas, ali, entre as colunas do templo, algo começa a mudar.
 
Sansão ora. É, na inteira narrativa bíblica, a sua primeira oração com quebrantamento. Ele não pede força com arrogância, nem menciona seus feitos passados. Diz apenas: “Senhor Deus, lembra-te de mim... fortalece-me agora, só esta vez.” Ele sabe que está quebrado. Ele sabe que é o fim. Mas ele clama. E o Deus da aliança — que já havia se retirado — agora responde. O templo cai. Uma missão de juízo é cumprida. E o texto conclui: “Foram mais os que matou na sua morte do que em toda a sua vida.” Não é um elogio à violência. Naquele estágio da revelação e dos propósitos redentores de Deus, é uma declaração de propósito: a morte de Sansão foi redentora, enquanto sua vida foi errante.

Essa história nos leva a perguntas profundamente pastorais: Como romper os ciclos vazios que giramos longe de Deus? E será possível cumprir a missão mesmo depois da queda?

A resposta começa quando paramos de fingir força e reconhecemos nossa fraqueza real. Muitos de nós estamos como Sansão antes do corte: presumindo presença onde onde já reina o desprezo pela aliança. Fingimos que está tudo como antes — mas a força já se foi. Em seguida, precisamos enxergar a cegueira que nos aprisiona em ciclos. Monótonos e cansativos. A vida sem Deus vira moinho: gira, mas não avança. Repetimos padrões, hábitos, pecados — como um cativo empurrando o peso da própria história.
 
Mais ainda: é preciso perceber que ao espezinhar a aliança nos tornamos espetáculo para o mundo. O servo de Deus, quando vive de forma incoerente, se torna objeto de escárnio. A nossa derrota vira zombaria. O mundo não se comove — se diverte. Mas há esperança. Tudo muda quando clamamos ao Senhor que ainda ouve o quebrado. O clamor de Sansão não foi bonito, nem um tratado teológico. Foi sincero. E Deus ouviu. Porque a maior graça não responde ao mérito, mas triunfa em rendição. E por fim, aprendemos que a missão ainda pode ser cumprida — mesmo depois da queda, se houver um sincero arrependimento fruto da graça de Deus. A história não precisa acabar no moinho.
 
Essas verdades nos fazem lembrar da história de John Newton. Criado em lar cristão, rebelou-se, afundou-se em pecado, viveu como negociante de escravos no Atlântico, endurecido e blasfemo. Até que, numa tempestade, clamou. E foi ouvido. Tornou-se pastor, mentor de libertadores, autor de um maravilhoso hino que diz: “Eu era cego, mas agora vejo.” Essa frase, que resume Newton, poderia ter sido de Sansão.
 
Mas há um sublime contraste maior, que não devemos nos esquecer neste momento. Cristo não morreu como Sansão, entre inimigos, mas pelos inimigos. Não destruiu um templo — restaurou o verdadeiro santuário. Não girou um moinho, mas carregou a cruz, e por ela rasgou o véu. Nele, a vida ganha sentido, mesmo quando tudo parece perdido. Nele, a morte não é derrota, mas coroamento da missão.
 
A escravidão, o escárnio, a falta de sentido, o nome de Deus vilipendiado… Que ninguém aqui aceite viver no moinho, nem morrer sem clamar.

Clame como Sansão.
Cante como Newton.
Viva — e morra — com o sentido restaurado pela graça de Deus.

Gilson Santos

#Citações | R. C. Sproul

"Ama um Deus santo está além do nosso poder moral. O único tipo de deus que podemos amar por nossa natureza pecaminosa é um deus profano, um ídolo feito por nossas próprias mãos. A menos que nasçamos do Espírito de Deus, a menos que Deus derrame Seu santo amor em nossos corações, a menos que Ele se incline em Sua graça para transformar nossos corações, não O amaremos... Amar um Deus santo requer graça, graça suficientemente forte para perfurar nossos corações endurecidos e despertar nossas almas moribundas." 

- R.C. Sproul

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Quando agradar aos homens compromete o evangelho | Gilson Santos

Gálatas 2.11-14

Há momentos em que a pressão da opinião alheia se impõe como uma força invisível, mas poderosa. Desde cedo aprendemos a querer a aceitação dos outros: crianças desejam a aprovação dos colegas, jovens não suportam a rejeição e adultos moldam muitas vezes o seu comportamento para não ficarem mal vistos. No entanto, quando esse medo se infiltra na vida cristã, o perigo é ainda maior: ele pode comprometer a coerência da fé e a verdade do evangelho.

É esse o caso que Paulo nos apresenta em Gálatas 2.11-14. Depois de ter argumentado que o seu evangelho não veio dos homens, mas de Cristo, e que os apóstolos em Jerusalém o reconheceram sem restrições, Paulo recorda um episódio delicado ocorrido em Antioquia. Ali, Pedro — o mesmo que em Jerusalém lhe dera a destra de comunhão — recuou por medo da pressão judaizante, afastando-se da mesa com os gentios. A questão não era apenas social ou falta de delicadeza, mas teológica: a atitude de Pedro punha em causa a suficiência de Cristo e ameaçava dividir a igreja.

Para compreendermos a gravidade da situação, é preciso recordar a lógica que Paulo vinha construindo até aqui. A epístola mostra, desde o início, que o evangelho pregado por ele não depende de tradição humana, mas da revelação direta de Cristo (1.11-17). Mostra também que, ao reunir-se em Jerusalém com os apóstolos, Paulo não recebeu deles qualquer adição ou correção, mas o reconhecimento de que o mesmo evangelho era partilhado por todos (1.18–2.10). Essa unidade ficou selada num pedido simples: que se lembrasse dos pobres, sinal de comunhão prática. Assim, a lembrança do episódio em Antioquia não surge como uma interrupção, mas como um desenvolvimento natural. Se em Jerusalém a unidade foi afirmada, em Antioquia ela precisava ser defendida contra uma incoerência prática.

Paulo narra o episódio em três movimentos. 

Primeiro, descreve a confrontação direta: “resisti-lhe face a face, porque se tornara repreensível” (v.11). Não se tratava de uma divergência menor, mas de algo que punha em risco a verdade do evangelho. A coragem de Paulo impressiona: ainda que Pedro fosse uma das colunas da igreja, não estava acima da verdade de Cristo.

Em seguida, Paulo expõe a causa do conflito. Pedro, antes, comia livremente com os gentios, testemunhando que em Cristo não há barreiras étnicas. Mas, quando chegaram alguns vindos de Tiago, afastou-se por medo, separando-se. Esse recuo não ficou restrito a si próprio: outros o imitaram, e até Barnabé foi arrastado pela incoerência (vv.12-13). Assim, vemos como o medo da opinião alheia pode corromper a fé e contagiar a comunidade, transformando líderes em maus exemplos e irmãos em cúmplices de hipocrisia.

Por fim, Paulo relata a denúncia pública: “Se tu, sendo judeu, vives como gentio e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?” (v.14). A pergunta é incisiva e expõe a contradição: Pedro, que já vivia na liberdade de Cristo, transmitia agora na prática que os gentios não seriam plenamente aceites sem adotar costumes judaicos. Era o evangelho em risco.

A pergunta que emerge deste texto é crucial: de que maneira o medo da opinião alheia pode corromper a prática da fé?

  • Em primeiro lugar, ele gera incoerência entre fé e vida, levando-nos a dizer uma coisa e a viver outra. 
  • Depois, compromete a comunhão cristã, porque cria barreiras onde Cristo derrubou muros. 
  • Em terceiro lugar, espalha a hipocrisia, contaminando líderes e membros da igreja. 
  • Em quarto lugar, distorce a própria mensagem do evangelho, como se Cristo não fosse suficiente. Este é o ponto vital enfocado pelo argumento do apóstolo. 
  • Por fim, enfraquece o testemunho da igreja diante do mundo, que vê um discurso sem correspondência prática. 

O episódio de Antioquia, portanto, mostra que o medo da opinião alheia não é um detalhe inofensivo: é um veneno subtil que mina a coerência, a comunhão e a própria missão.

Convém neste ponto lembrar de Jesus Cristo. Enquanto Pedro recuava por medo, Cristo permaneceu firme até ao fim, mesmo sob a pressão mais intensa. Ele não agradou a homens, mas entregou-se em fidelidade ao Pai, levando até à cruz a obra da nossa salvação. Por isso, a nossa vida não pode ser orientada pela busca de aprovação humana, mas pela certeza de que “o amor de Cristo nos constrange” (2 Co 5.14). A igreja é chamada a viver na liberdade da cruz, preservando a verdade do evangelho não apenas em palavras, mas em práticas de comunhão e fidelidade.

O desafio é claro: resistir ao medo da opinião alheia e viver para agradar a Deus, custe o que custar. Quando agradar aos homens compromete o evangelho, é preciso escolher a cruz de Cristo como nosso critério e fundamento.

Senhor nosso Deus e Pai, agradecemos-Te pela clareza da Tua Palavra e pelo exemplo do apóstolo em defender a verdade do evangelho. Reconhecemos que tantas vezes cedemos ao medo da opinião dos outros. Tem misericórdia de nós. Dá-nos coragem para viver com integridade, guarda a nossa comunidade de toda divisão e ajuda-nos a preservar a unidade em Cristo. Que sejamos um testemunho fiel, firmados na cruz, certos de que é melhor agradar a Ti do que a qualquer voz humana. Em nome de Jesus, o nosso Senhor, oramos. Amém.


Transcrição abreviada de Estudo Bíblico em Lectio Continua, ministrado pelo pastor Gilson Santos, na Igreja Batista da Graça em São José dos Campos, São Paulo, em 17 de setembro de 2025. Este texto foi compartilhado a leitores na variante linguística do português europeu.