Capítulo 1 | A Verdadeira Natureza da
Humilhação
Há uma humilhação preparatória que acontece antes de uma transformação salvífica, que não deve ser desprezada, visto que nos aproxima de Deus, mas que, contudo, não consiste numa total submissão a Ele.
Esta humilhação preparatória, a
qual muitos vêem fenecer, consiste principalmente nas seguintes coisas: em
primeiro lugar, ela reside principalmente no temor de ser condenado este
temor se assemelha mais à sensação de medo. Consiste também em uma certa
apreensão da grandeza dos nossos pecados, da ira de Deus que ameaça cair sobre
nossas cabeças, e do perigo em que nos encontramos de sermos condenados para
sempre. Ela consiste ainda em certa compreensão da loucura da qual somos
culpados ao pecar, e de algum arrependimento por ter um dia cometido tais
coisas, e algum remorso de consciência por isto.
A isto pode se unir um certo sentimento de tristeza, sendo este expresso através de gemidos e lágrimas. Isso tudo pode ser acompanhado com confissões de pecado a Deus e a homens, lamentações por nossa miséria; em alguns, isto precede o próprio desespero. E, finalmente, isto pode levar a uma indignação contra nós mesmos, e à adoção de uma atitude de severa vingança sobre nós mesmos; sim, mais do que Deus levaria o homem a adotar; como Judas fez em se autodestruir. Este desespero e auto-execução não são parte da humilhação preparatória, mas o excesso, o seu erro, e a entrada do inferno.
A isto pode se unir um certo sentimento de tristeza, sendo este expresso através de gemidos e lágrimas. Isso tudo pode ser acompanhado com confissões de pecado a Deus e a homens, lamentações por nossa miséria; em alguns, isto precede o próprio desespero. E, finalmente, isto pode levar a uma indignação contra nós mesmos, e à adoção de uma atitude de severa vingança sobre nós mesmos; sim, mais do que Deus levaria o homem a adotar; como Judas fez em se autodestruir. Este desespero e auto-execução não são parte da humilhação preparatória, mas o excesso, o seu erro, e a entrada do inferno.
Mas há também uma humilhação que
é própria ao convertido, a qual acompanha a salvação, e que inclui tudo o que
há na anterior, e muito mais - assim como a alma racional inclui o sensitivo, o
vegetativo, e muito mais. Esta humilhação salvífica consiste nos seguintes
particulares: ela começa no entendimento, e é enraizada na vontade. Opera nos
sentimentos e, quando há oportunidade, manifesta-se em expressões e atitudes
exteriores.
1. A humilhação do entendimento
consiste em uma baixa apreciação de nós mesmos, num auto-rebaixamento, e num
auto-julgamento condenatório; e isto nas seguintes particularidades:
Consiste numa apreensão profunda,
sólida, habitual e real da hediondez dos nossos próprios pecados, e de nós
mesmos por causa deles; isto porque eles são contrários à bendita natureza e
lei de Deus, e tão contrários à nossa própria perfeição e bem principal. Também
consiste em uma sólida e fixa apreensão da nossa própria ruína por causa desses
pecados, de tal modo que os nossos julgamentos subscrevem a eqüidade da
sentença condenatória da lei, e nos julgamos indignos da menor misericórdia, e
dignos de punição eterna. Consiste em uma apreensão da nossa condição arruinada
e miserável: visto que nós não apenas somos herdeiros de tormento, como também,
destituídos da imagem e Espírito de Deus, perdemos Seu favor, estamos debaixo
do Seu desagrado e inimizade. Por causa do nosso pecado, perdemos o direito da
nossa parte na glória eterna, e grande é nossa incapacidade de nos ajudar a nós
mesmos.
Isto se dá em tal medida, que nós
julgamos realmente os nossos pecados e a nós mesmos, por causa do pecado, mais
odiosos do que qualquer outra coisa que algum outro mal pudesse nos tornar.
Consideramos a nossa miséria, por causa do pecado nas particularidades
referidas anteriormente, maior do que qualquer calamidade exterior na carne, e
do que qualquer perda terrena que viesse a nos atingir. Isto nós apreendemos
através de um julgamento prático e não apenas por mera especulação ineficaz. A
fonte disto está em um certo conhecimento do próprio Deus, cuja majestade é tão
gloriosa, e cuja sabedoria é tão infinita. O qual é tão bom em Si mesmo e para
conosco, cuja santa natureza é contrária ao pecado. O qual tem em nós uma
propriedade absoluta, e também é soberano sobre nós. Isto é também proveniente
de um conhecimento do verdadeiro estado da felicidade humana, que foi arruinada
pelo homem em conseqüência do pecado, a qual consiste em agradar, glorificar e
gozar a Deus em amor, deliciar-se Nele, e louvá-Lo para sempre, e em ter uma
natureza perfeitamente santa e adequada a este propósito. Ver que o pecado é
contrário a esta felicidade e que nos tem privado dela, é uma das fontes da
verdadeira humilhação.
Esta humilhação no entendimento
provém também de um conhecimento pela fé de Cristo crucificado, o qual foi
morto pelos nossos pecados, o qual declarou na maneira mais viva possível ao
mundo através de Sua cruz e sofrimentos o que é o pecado, o que ele faz, e a
situação em que nós nos colocamos.
Assim, muito da humilhação
salvífica se processa no entendimento.
2. A sede principal desta
humilhação é na vontade, e aí ela consiste nos seguintes atos: ao pensarmos
humildemente a respeito de nós mesmos, nós temos um constante desagrado por nós
mesmos e pelos nossos pecados, e uma certa indignação contra nós por causa das
nossas abominações. Um pecador humilhado é um inquiridor de si mesmo, e como
ele é mau, seu coração é contra ele próprio.
Há também na vontade um profundo
arrependimento por termos pecado, ofendido a Deus, abusado da Sua graça, e por
termos nos colocados em tal situação; de tal modo que a alma humilhada
desejaria gastar seus dias na prisão, a esmolar, ou em miséria corporal, ao
invés de gastá-los no pecado; e se pudesse começar de novo, ela preferiria
escolher uma vida de vergonha e calamidade no mundo, do que uma vida de pecado,
e ficaria alegre pela troca.
Uma alma humilhada deseja
realmente se entristecer por causa dos pecados que cometeu, e por causa deles
ser sensível e afligida tão profundamente quanto fosse agradável a Deus. Mesmo
quando ela não pode derramar uma lágrima, ainda assim a sua vontade é
derramá-las. Quando ela não consegue sentir nenhuma profunda aflição por causa
do pecado, seu sincero desejo é que possa senti-la. Ela preferiria cem vezes
chorar no desejo, quando não o faz em ato.
Uma alma humilhada deseja
realmente mortificar a própria carne pelo uso daqueles meios indicados como
sendo aqueles através dos quais Deus a subjuga, como através do jejum,
abstinência, vestuário simples, trabalho duro e negando-se prazeres
desnecessários.
É uma dúvida digna de
consideração se quaisquer destes atos de humilhação devem ser usados
propositadamente em revide contra nós mesmos por causa do pecado. A isto
respondo que nós não podemos fazer nada, a título de revide, que Deus não o
permita, ou que torne nossos corpos menos habilitados para o Seu serviço, pois
esta atitude receberia revide de Deus e da nossa alma. Mas aqueles meios de
humilhação necessários para domar o corpo podem bem ser usados com dupla
intenção: primeiro e especialmente, como um meio para nossa segurança e como
precaução, a fim de que a carne não venha a prevalecer; e então, paralelamente,
nós deveríamos ficar mais contentes em ver mais sofrimento ser imposto à carne,
porque ela foi e ainda é um grande inimigo de Deus e nosso, e a causa de todo o
nosso pecado e miséria. Este é o revide que é permitido ao penitente, e que
alguns pensam ser tencionado.
Visto que a alma humilhada tem
pensamentos humildes de si mesma, então ela deseja que outros a avaliem e a
considerem desse modo, mesmo que seja um pecador vil e indigno, desde que a sua
desgraça não prejudique o Evangelho ou a outros, ou venha a desonrar a Deus.
Seu orgulho é humilhado a tal ponto que ela não pode suportar ser depreciada
com alguma condescendência. Não que aprove o pecado de qualquer homem que faça
isso maliciosamente, mas consentindo com o julgamento e repreensão daqueles que
façam isto com sinceridade, e consentindo com o julgamento de Deus, ainda que
através daqueles que o façam maliciosamente. A alma humilhada não fica se
defendendo e atenuando injustamente seus pecados, se desculpando, e se
inflamando contra o reprovador; o que quer que ela faça em uma tentação, se
esta atitude for predominante, seu orgulho, e não humilhação, acabará por
predominar. Mas ela se julga a si mesma o tanto quanto outros possam justamente
julgá-la, e humildemente consente em ser humilhada aos olhos humanos até que
Deus venha a levantá-la e a recuperar sua dignidade.
A raiz de toda essa humilhação na
vontade é um amor a Deus, a quem ofendemos, um ódio ao pecado que O ofendeu, e
que nos fez odiosos; um senso confiante do amor e dos sofrimentos de Cristo, O
qual condenou o pecado na Sua carne.
Assim vocês vêem no que consiste
a humilhação da vontade, a qual é a própria vida e alma da verdadeira
humilhação.
3. A humilhação também inclui os
sentimentos: uma genuína tristeza pelo pecado que cometemos; pela corrupção que
há no pecado; uma vergonha por estes pecados; um santo temor a Deus quando nós
O ofendemos, e dos Seus julgamentos os quais merecemos, e uma apropriada
aversão aos nossos pecados. Mas, como mostrarei adiante, não é pelo grau, mas
pela sinceridade destes sentimentos que você deve fazer um julgamento do seu
estado; e isto dificilmente será discernido pelos próprios sentimentos. Assim,
portanto, a vontade é o meio mais seguro através do qual podemos nos avaliar.
4. A humilhação também consiste
expressivamente em ações exteriores, quando é oferecida oportunidade. Não há
humilhação verdadeira no coração, se ela se recusa a aparecer no exterior,
quando Deus a requer no seu curso ordinário. Os atos exteriores da humilhação
são: uma confissão voluntária dos pecados a Deus e aos homens, quando Deus o
requer, isto é, quando isto se torna necessário à Sua honra, ao bem daqueles a
quem ofendemos, e satisfação do ofendido. Isto deve ser feito pelo menos quando
confessamos os pecados abertamente a Deus na presença dos homens. Uma alma não
humilhada se recusaria a fazê-lo por vergonha; mas o humilhado aceitaria
livremente ser envergonhado, se isso viesse a advertir seus irmãos, e
justificar a Deus, e Lhe dar glória. “Se confessarmos os nossos pecados Ele é
fiel e justo para nos perdoar...” (1 Jo 1:9). “Confessai, pois, os vossos
pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para serdes curados...” (Tg
5:16). “O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que as
confessa e deixa, alcançará misericórdia” (Prov 28:13). Não que a pessoa
precise confessar seus pecados secretos a outros, a não ser quando não possa
alcançar alívio; não que a pessoa deva publicar as suas ofensas, vindo a
desonrar a Deus ainda mais, e a ser empecilho para o Evangelho. Mas quando o
pecado já é público e especialmente quando a ofensa de outros, o endurecimento
dos ímpios, a satisfação da igreja com relação ao nosso arrependimento, requer
nossa confissão e lamentação pública, então a alma humilde deve e se submeterá
a isto.
O homem de coração corrompido,
hipócrita, não humilhado, entretanto, confessará apenas nos seguintes casos:
quando o sigilo da confissão, ou a insignificância da falta, ou a freqüência de
tal confissão não traga grande vergonha sobre si. Ou quando a falta já é tão
pública que seria vã qualquer tentativa de escondê-la, e a confissão não
aumentaria em nada a sua desgraça. Ou quando a consciência está pesada, ou à
beira da morte, ou forçado por algum terrível julgamento de Deus. Em todos
estes casos o ímpio pode confessar seus pecados. Assim Judas confessou: “Pequei
traindo sangue inocente” (Mt 27:4). Faraó confessou: “Eu e o meu povo somos
ímpios” (Ex 9:27). Um ladrão à beira da forca confessará; e o mais vil e
desprezível ser, no seu leito de morte, também confessará. Mas nós temos mais
confissões no leito de morte do que confissões voluntárias diante da igreja.
Infelizmente,o orgulho e a hipocrisia têm prevalecido de tal modo, e a antiga
disciplina da igreja tem sido tão negligenciada, que eu penso que na maioria dos
lugares na Inglaterra há muito mais pessoas que fazem confissão na forca do que
pessoalmente em uma congregação.
A humilhação também deve ser
expressa através de todos aqueles meios e sinais externos, aos quais Deus,
através das Escrituras ou da nossa própria natureza, nos conclama. Como, por
exemplo, através de lágrimas e gemidos, tanto quanto oportunamente nos ocorra;
através de jejum, e da atitude de prostrar-se por causa de nossa pompa e tolice
mundanas, e uso de roupas humildes, porém decentes; condescendendo com os mais
desfavorecidos, e se sujeitando aos mais humildes; usando linguagem e carruagem
simples; e perdoando outros, por sermos sensíveis à grandeza dos nossos débitos
para com Deus.
Assim eu mostrei brevemente a
vocês a verdadeira natureza da humilhação, a fim de que possam saber a que lhes
estou persuadindo, e a que precisam submeter os seus corações.
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