Pregar sobre o
inferno é manipulação. É a tática do medo. É assédio psicológico. Não é isso o
que as pessoas dizem?
Na maior parte
de sua história – afirma o jornalista A. C. Grayling – o cristianismo tem sido
uma ideologia geralmente violenta e sempre opressiva – pense nas Cruzadas; na
tortura; nas pessoas queimadas em estacas; nas mulheres constantemente
escravizadas inúmeras vezes aos partos e ao seu marido, sem poderem se
divorciar; na distorção da sexualidade feminina; no uso do medo (dos tormentos
do inferno) como um instrumento de controle; e nos resultados horrendos de sua
calúnia contra o Judaísmo.
Mas hoje em
dia, os cristãos são consumidores mais conscientes. Eles sabem como se vender
no mercado, lançando fora as repressões, como se fossem um novo produto ou um
político.
Grayling
continua:
Atualmente, em
contraste, o cristianismo se especializa em músicas comoventes e desfocadas.
Suas ameaças acerca do inferno; sua exigência por pobreza e castidade; sua
doutrina de que apenas poucos serão salvos e muitos serão condenados foram
deixadas de lado e substituídas por dedilhados de violão e sorrisos açucarados.
O cristianismo tem se reinventado com freqüência, com uma hipocrisia de tirar o
fôlego, com o interesse de manter o seu domínio sobre os incautos. E se um
monge medieval despertasse do sono hoje, como no filme O Dorminhoco, de Wood
Allen, não seria capaz de reconhecer a fé que leva o mesmo nome que a sua.[1]
De qualquer
modo, essa é a transformação que um descrente observou entre os cristãos. Isso
reflete o nosso desconforto moderno, nossa repulsa em afirmar publicamente
qualquer um dos ensinos impopulares de Jesus, como o apavorante quadro do
futuro, pintado por Jesus. Poderia isso refletir também o modo como os crentes
se renderam rapidamente aos padrões culturais?
POR QUE
ESCARNECEMOS DO MEDO?
Nossa
sociedade não se agrada de ser motivada pelo medo. Nós nos ressentimos com
isso. Afinal de contas, o medo não é um guia confiável. Ele parece ser indigno
de nós. Parece primitivo e até animalesco. Parece muito instintivo, em vez de
racional.
“Fobias” são
como chamamos os medos irracionais. Então nos referimos à hidrofobia como sendo
um medo irracional de água ou à aracnofobia, como um medo irracional de
aranhas. Devemos ter pena das fobias e rejeitá-las. Se você chama o modo como
concebo a sexualidade de “homofobia”, então você não deve levar em consideração
o que digo. As fobias são indignas de serem levadas a sério.
O medo é
poderoso, admitimos, mas também é irracional e nos deixa sujeitos à
manipulação, vulneráveis. Por essa razão, não gostamos dele.
O MEDO
FUNCIONA
Ironicamente,
todo mundo sabe que o medo é útil. Por isso tiramos proveito dele.
Fazemos isso
desde os primórdios dos tempos. Por essa razão, as fábulas de Esopo advertiam
sobre o destino dos preguiçosos. Os provérbios e as máximas de Confúcio e
Benjamin Franklin contrastam a prosperidade dos que andam retamente com a
pobreza dos que fazem coisas erradas. Os pais dizem aos filhos para não fazerem
isto ou aquilo para que não se machuquem ou para não terem aqueles amigos
porque eles o conduzirão ao que não é bom. Os professores dizem a Joãozinho
que, se ele não ler, não poderá trabalhar; e se não puder trabalhar, não poderá
ter as coisas que quer e a vida que deseja. Fingimos não acreditar em
afirmações assustadoras, mas a grande verdade é que o medo vende!
Você quer
segurança para os seus filhos, por essa razão, compra determinado carro. Você
quer sua saúde protegida, por isso adquire um convênio e compra vitaminas. Você
quer manter uma boa aparência, então compra um aparelho para abdominais. Você
quer segurança financeira, portanto, faz investimentos. Você quer ter um sono
sadio, o que significa que precisa dormir em segurança, por essa razão, compra
um alarme para a sua casa.
O medo
funciona!
E não é só a
Madison Avenue que sabe disso. A cidade onde moro, Washington, DC, conhece a utilidade
do medo. O medo pode ser censurado – “Não há nada a temer, mas tema o próprio
medo”! – no entanto, ele é utilizado constantemente.
Apenas imagine
uma tela escura de televisão. Depois, uma foto desagradável em preto e branco
aparece, e uma voz profunda e agourenta diz: “Se o ‘Fulano de Tal’ chegar ao
poder, prisioneiros assassinos serão soltos; os empregos evaporarão; nosso país
ficará indefeso; os idosos passarão fome; o sol não brilhará; sempre será
inverno e não haverá mais natal”! Depois, a tela muda para uma foto colorida de
um candidato sorrindo, sendo cumprimentado calorosamente por pessoas felizes. A
voz passa de agourenta para uma voz calorosa e confiante. Ela afirma o
candidato. Fim.
E SE, DE FATO,
HOUVER ALGO A TEMER?
É lógico que é
bom ensinarmos os nossos filhos a não terem medo de sombras e sermos cautelosos
com aqueles que utilizam o medo para nos vender algo. Mas e se houver realmente
algo a temer?
E se nossas
ações tiverem conseqüências e nem todas as conseqüências forem boas? E se
houver uma relação entre o que fazemos e o que colhemos? Temos permissão para
falar disso?
Nossa
sociedade tolera advertências sobre perigos reais: “Ponte caída. Retorno à
direita”. Valorizamos advertências médicas educativas: “Se você não parar de
fumar, isso o matará”. Especulamos como uma ação afetará nosso meio ambiente ou
nossa economia. Somos rápidos em advertir contra ameaças terroristas.
Mas e nas
questões espirituais? Nos assuntos sobre Deus, nossa alma e vida após a morte?
O medo é um motivador apropriado nessas questões?
Podemos nos
ressentir com tal idéia, no entanto, nossos ressentimentos nunca foram um guia
infalível contra o que é falso, não é mesmo? O fato de nos ressentirmos com
algo não significa que ele não seja verdadeiro!
JESUS NOS
MOSTROU O QUE DEVEMOS TEMER: O INFERNO
Jesus sabia
que havia algo a temer: passar a eternidade no inferno. Ele disse aos seus
discípulos:
E, se tua mão
te faz tropeçar, corta-a; pois é melhor entrares maneta na vida do que, tendo
as duas mãos, ires para o inferno, para o fogo inextinguível onde não lhes
morre o verme, nem o fogo se apaga. E, se teu pé te faz tropeçar, corta-o; é
melhor entrares na vida aleijado do que, tendo os dois pés, seres lançado no
inferno onde não lhes morre o verme, nem o fogo se apaga. E, se um dos teus
olhos te faz tropeçar, arranca-o; é melhor entrares no reino de Deus com um só
dos teus olhos do que, tendo os dois seres lançado no inferno, onde não lhes
morre o verme, nem o fogo se apaga (Mc 9. 43 a 48).
Em outra
passagem, Jesus disse:
Digo-vos,
pois, amigos meus: não temais os que matam o corpo e, depois disso, nada mais
podem fazer. Eu, porém, vos mostrarei a quem deveis temer: temei aquele que,
depois de matar, tem poder para lançar no inferno. Sim, digo-vos, a esse deveis
temer (Lc 12.4 a 5).
Jesus nos
exortou a temer o inferno. E nos advertiu para temermos a Deus, que tem o poder
de nos lançar no inferno.
PASTORES, NÃO
TENHAM MEDO DO MEDO
É uma ilusão
pensar que podemos viver sem medo neste mundo amaldiçoado e caído. Todo mundo
tem medo de algo, é só uma questão do que.
Pastores, não
sejam seduzidos pelos padrões culturais a respeito do que devemos ou não temer.
Não seja enganado pela ironia de nossa cultura em relação ao medo. Eles também
sentem medo. Em vez disso, siga a Jesus, admoestando os outros acerca do futuro
aterrorizante que aguarda aqueles que não se arrependem de seus pecados e não
confiam em Cristo.
Por: Mark Dever
↑ GRAYLING, A. C.. Against All Gods.
London: Oberon Books, 2007. p. 24
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