O que é ser "reformado"?
A
primeira questão com a qual nos defrontamos ao abordar o tema desse
pequeno ensaio é a de definir exatamente sobre o que estamos falando. O
nosso assunto gira em torno da compreensão reformada sobre a pessoa e a
obra do Espírito Santo. Mas, o que queremos dizer por "reformada"?
Não
existe unanimidade entre os que se consideram herdeiros da Reforma
protestante quanto ao sentido do termo. Historicamente, o termo
"reformados" foi usado a princípio indistintamente para todos os
protestantes, calvinistas, luteranos e zwinglianos. Com as controvérsias
entre eles sobre a Ceia, "reformados" passou a designar zwinglianos e
calvinistas somente, em contraponto aos luteranos. E com o arrefecimento
da importância de Zwinglio no cenário protestante, "reformados" passou a
designar os calvinistas. Portanto, é historicamente correto afirmar que
um entendimento reformado sobre o Espírito Santo tem a ver primaria e
basicamente com a teologia calvinista sobre o Espírito Santo. Hoje em
dia, muitas igrejas e denominações se utilizam do nome "reformada",
mesmo que já tenham abandonado em grande medida partes fundamentais da
teologia calvinista, inclusive a pneumatologia. O mesmo acontece com
alguns pastores que consideram-se reformados apesar do fato de que não
são calvinistas em sua doutrina. Assim, embora para alguns hoje ser
reformado seja pertencer a uma igreja que historicamente descende da
reforma protestante, ou ainda manter o espírito reformista que marcou os
reformadores, é mais exato dizer que o conceito está ligado às
principais convicções doutrinárias dos reformadores, particularmente às
de João Calvino.
Consequentemente,
uma pneumatologia reformada é necessariamente aquela adotada pelas
igrejas que são herdeiras do Cristianismo bíblico. É uma pneumatologia
originada nas Escrituras e defendida por Agostinho, Calvino, e os
puritanos, tendo sua expressão adequada nas confissões de fé reformadas.
É uma pneumatologia derivada de uma leitura das Escrituras a partir dos
pressupostos principais que guiaram esses homens, a começar com o alto
apreço pelas Escrituras como Palavra de Deus, inspirada e infalível, e
única regra de fé e prática da Igreja. À luz desta visão podemos definir
pneumatologia reformada como sendo aquela compreensão da pessoa e da
obra do Espírito Santo que parte da revelação divina grafada nas
Escrituras, lida e interpretada da ótica da hermenêutica reformada,
tendo como alvo a glória de Deus e o avanço do seu reino neste mundo.
Se
considerarmos que apenas os que se mantém leais aos principais pontos
da doutrina calvinista podem ser realmente chamados de reformados,
verificaremos que são poucos os verdadeiros reformados. Escreve o
ex-calvinista Clark Pinnock:
Tenho
a forte impressão, confirmada até mesmo pelos que discordam dela, que o
pensamento de Agostinho está perdendo sua influência nos evangélicos de
hoje. Não são apenas os evangelistas que estão pregando um evangelho
arminiano. É difícil até mesmo achar um teólogo calvinista hoje que
esteja disposto a defender a teologia reformada em seus detalhes mais
peculiares, em particular as opiniões de Calvino e Lutero. Eu não estou
sozinho, especialmente agora que Gordon Clark faleceu e John Gerstner
aposentou-se.
Numa
época em que o número de "reformados" comprometidos com a teologia
calvinista é tão pequeno, não é de se estranhar que tendências
teológicas, filosóficas e hermenêuticas, trazidas no bojo do
pós-modernismo e do crescente movimento neopentecostal, se infiltrem nas
igrejas historicamente reformadas, e descaracterizem, onde aceitas, a
compreensão correta acerca do Espírito Santo. Tais ameaças já estão
presentes, e que aparentemente vieram para ficar por um longo tempo.
Entende-las agora é essencial para a preservação da identidade reformada
quanto à obra do Espírito Santo no mundo e na Igreja. No que se segue,
procuro detectar e analisar alguns destes desafios
O Desafio Teológico: Pelagianismo
O que é o Pelagianismo?
O
primeiro desafio vem da área teológica, representado pelo pelagianismo,
heresia antiga e já condenada pela Igreja, mas jamais erradicada do seu
meio. O pelagianismo sustenta basicamente que todo homem nasce
moralmente neutro, e que é capaz, por si mesmo, sem qualquer influência
externa, de converter-se a Deus e obedecer à sua vontade, quando assim o
deseje. Uma das grandes disputas durante a Reforma protestante
versou sobre a natureza e a extensão do pecado original. Ele afetou Adão
somente, ou todo o gênero humano? A vontade do homem decaído é ainda
livre ou escravizada ao pecado? No século V Pelágio havia debatido
ferozmente com Agostinho sobre este assunto. Agostinho mantinha que o
pecado original de Adão foi herdado por toda a humanidade e que, mesmo
que o homem caído retenha a habilidade para escolher, ele está
escravizado ao pecado e não pode não pecar. Por outro lado, Pelágio
insistia que a queda de Adão afetara apenas a Adão, e que se Deus exige
das pessoas que vivam vidas perfeitas, Ele também dá a habilidade moral
para que elas possam fazer assim. Ele reivindicou mais adiante que a
graça divina era desnecessária para salvação, embora facilitasse a
obediência.
Agostinho
teve sucesso refutando Pelágio, mas o pelagianismo não morreu. Várias
formas de pelagianismo recorreram periodicamente através dos séculos.
Lutero escreveu um livro "A Escravidão da Vontade" em resposta a uma
diatribe de Erasmo, onde o mesmo defendia conceitos pelagianos. Lutero
acreditava que Erasmo era "um inimigo de Deus e da religião Cristã" por
causa do ensino dele sobre o pecado original. É bom notar que o
Catolicismo medieval, sob a influência de Aquino, adotara um
semi-pelagianismo, mesmo que na antigüidade houvesse rejeitado o
pelagianismo puro. Neste sistema, acreditava-se que o homem cooperava
com a graça de Deus para a salvação.
No
século XVIII, uma forma nova e levemente modificada de pelagianismo,
apareceu, que foi o arminianismo. Existem algumas diferenças entre as
duas posições, mas ambas são sinergistas (o homem coopera para sua
salvação) e mantém o mesmo conceito de fé (uma decisão puramente humana
de receber a Jesus Cristo, e não como um dom misericordioso de Deus).
A influência de Charles Finney
No
século XIX, o evangelista americano Charles Grandison Finney reavivou o
puro pelagianismo. Ele repudiou abertamente quase todas as principais
doutrinas calvinistas (mesmo que tenha sido ordenado na Igreja
Presbiteriana), em particular a doutrina de pecado original e da
depravação total. É um grave erro histórico e teológico considerar
Finney como "reformado" (alguns, exagerando, diga-se, nem desejam
considerá-lo como evangélico). A metodologia evangelística de
Finney teve tanto êxito, que ele se tornou um modelo para os
evangelistas mais recentes. Embora o evangelicalismo americano não
tivesse aceitado integralmente o pelagianismo de Finney, abraçou,
entretanto, sua metodologia, uma forma de semi-pelagianismo que infectou
a alma da sua teologia até o dia de hoje. Vários movimentos nasceram
conscientemente da teologia de Finney, como a teoria do governo moral.
Ameaças à doutrina do Espírito Santo
O
pelagianismo, em suas variadas formas contemporâneas, ameaça a doutrina
reformada do Espírito Santo especialmente nas áreas da regeneração e da
chamada eficaz, das seguintes maneiras:
a) Reduz a regeneração do pecador a uma decisão de sua própria vontade. Finney
rejeitou a idéia de que a regeneração fosse um milagre, uma
transformação sobrenatural produzida pela ação soberana do Espírito no
coração dos eleitos. Para ele, regeneração era a decisão do pecador em
se voltar para Deus e obedecê-lo. Não poderia haver nenhuma
transformação miraculosa, pois não havia o que transformar, já que o
pecador é moralmente capaz de obedecer a Deus. Após a negação de pecado
original, foi somente um passo para que Finney negasse a doutrina da
regeneração sobrenatural. O sermão mais popular de Finney, pregado na
Igreja da Rua do Parque, em Boston, foi intitulado "Os Pecadores Devem
Mudar os Próprios Corações". Para ele, não há nada na religião que
ultrapasse os poderes ordinários de natureza. "Religião é obra do
homem", disse ele. "Consiste tão somente no emprego apropriado dos
poderes naturais. É somente isso e nada mais"
b) Reduz a chamada eficaz do Espírito Santo a uma mera persuasão moral.
Para Finney, a obra do Espírito limita-se ao exercício de influências
morais no pecador, mas "a conversão em si ... é ato do próprio pecador",
afirma ele em sua Teologia Sistemática (p. 236). O ensino calvinista é
que o Espírito de Deus, através do ministério da Palavra, chama
irresistivelmente o eleito, regenerando-o e assim habilitando-o a
responder positivamente em fé à oferta das boas novas do Evangelho. Essa
chamada é irresistível, embora não se constitua uma violação da vontade
do pecador. No conceito pelagiano (ou semi-pelagiano), o Espírito de
Deus apenas se esforça para persuadir os pecadores, cabendo a estes em
última análise a decisão e a capacidade de converter-se e tornar para
Deus, exercendo fé em Cristo.
O
desafio do pelagianismo em suas formas contemporâneas para a identidade
reformada é alarmante. O pentecostalismo, em seu crescimento assombroso
na América Latina e no Brasil, traz em seu bojo, além de várias outras
ameaças e desafios, os principais conceitos do antigo pelagianismo, e
desafia as igrejas reformadas a rever o conceito calvinista da atuação
do Espírito Santo na regeneração e salvação do pecador. Os pentecostais
são hoje mais de 450 milhões no mundo. Com o crescimento do pelagianismo
no Brasil, a identidade reformada das igrejas que assim se consideram
fica ameaçada, no que respeita à obra do Espírito Santo na conversão dos
pecadores.
Mas
o desafio maior vem de dentro das próprias igrejas históricas. Não são
muitos os "reformados" que aderem coerentemente à doutrina calvinista da
depravação total. Embora possam afirmá-la em princípio, acabam sendo
incoerentes por também acreditar que o pecador tem a "capacidade moral
de se voltar para Deus". Praticamente ninguém hoje declararia, "eu sou
um pelagiano, ou semi-pelagiano", primeiro, por que toda a Cristandade
condenou no passado essa heresia, e segundo, por que poucos que adotam
esta linha têm idéia do que o pelagianismo significa. Muitos ministros
de igrejas reformadas provavelmente ofereceriam as respostas corretas em
um exame teológico, entretanto, operam em seus ministério como se essas
convicções não tivessem absolutamente nenhuma conseqüência.
Os Desafios Filosóficos: Pluralismo e Pragmatismo
O pluralismo religioso
Um
outro desafio de imensas proporções vem de duas filosofias
características do período pós-moderno em que vivemos. A primeira delas é
o pluralismo. Como o nome já indica, essa filosofia defende a
pluralidade da verdade, ou seja, que não existe uma verdade absoluta,
mas sim verdades diferentes para cada pessoa. Esse conceito é ambíguo,
mas definitivamente já faz parte integrante da nossa cultura presente.
Ele defende o relacionamento de pessoas com ideologias diferentes, sem
que uma tenha de sujeitar suas convicções ao domínio da outra. A idéia
de converter alguém às suas próprias convicções é politicamente
incorreto. A chave está na valorização da negociação e da cooperação em
lugar de se tentar provar que se está certo ou errado.
O
pluralismo religioso, por sua vez, prega o abandono da "arrogância"
teológica do cristianismo, nega que exista verdade religiosa absoluta, e
exalta a experiência religiosa individual como critério último para
cada um. Por exemplo, o padre católico Raimundo Panikkar, descendente de
hindus, escreveu um artigo onde defende que isolacionismo já não é mais
possível na sociedade globalista em que vivemos. Embora afirme que
aceitar o pluralismo religioso não signifique o mesmo que aceitar o
relativismo, deixa claro que a experiência religiosa individual é a
chave para a convivência pluralista. Diz ele, "No momento eu estou
experimentando o amor de Deus por mim em Cristo Jesus, e por este motivo
eu sei com perfeita clareza que ele é o caminho, a verdade e a vida".
O
pluralismo religioso defende uma nova teoria missiológica, onde não
mais se prega a necessidade de conversão de outras religiões ao
cristianismo, e sim a cooperação entre todas as religiões, naquilo que
têm em comum. O pressuposto é que o cristianismo não é o único caminho
para Deus, embora seja o melhor, e que Deus está agindo salvadoramente
no âmbito de outras religiões, como as religiões orientais.
O pragmatismo religioso
A
outra filosofia é o pragmatismo. Seu popularizador, o psicólogo
americano William James, afirmou que idéias humanas eram verdadeiras se
funcionassem ou fossem úteis para resolver problemas. Já que o
funcionamento e utilidade das idéias variam de contexto para contexto,
segue-se que a verdade é relativa. No dizer de Francis Schaeffer, é um
sistema de pensamento que faz das conseqüências práticas de uma crença o
critério supremo da sua verdade. O pragmatismo dominou rapidamente a
cultura americana e estendeu-se para além das suas fronteiras. Adotar as
coisas que realmente preservam a paz individual e uma situação
financeira confortável, sem qualquer preocupação com princípios fixos de
certo ou errado é evidentemente a idéia que controla procedimentos
internacionais, domésticos e individuais. Princípios absolutos tem pouco
ou nenhum lugar no pensamento ocidental moderno.
Não
devemos, portanto, pensar que o pragmatismo é um fenômeno ocidental.
Seu princípio fundamental é inerente ao coração humano. Uma das
quatro premissas básicas do substrato filosófico e religioso da Ásia,
por exemplo, pode ser resumida neste parágrafo: "É direito de cada
pessoa religiosa aceitar e praticar qualquer maneira de viver que achar
útil ao seu modo de pensar e às suas circunstâncias sociais peculiares".
Desafios do Pluralismo e do Pragmatismo para a doutrina do Espírito Santo
O
pluralismo e o pragmatismo andam geralmente de mãos dadas. Onde o
conceito de verdade absoluta deixa de existir (pluralismo), as pessoas e
as organizações passam a orientar as suas decisões em termos daquilo
que mais satisfaz as suas necessidades (pragmatismo). A combinação
destas duas filosofias aparece claramente em vários movimentos presentes
nas igrejas evangélicas, e representam um novo desafio ao cristianismo
em geral e aos calvinistas em particular. A pergunta que as pessoas
fazem com relação ao cristianismo não é se ele é a verdade ou não, mas
simplesmente se funciona. Elas querem saber se vai mudar a vida delas
para melhor, se Cristo realmente é poderoso para transformá-las, e pode
dar-lhes paz, alegria, esperança e propósito às suas existências.
Ambas as filosofias trazem sérios desafios a alguns aspectos da pessoa e obra do Espírito Santo:
1) Quanto à extensão da operação ou atividade salvadora do Espírito Santo.
O calvinismo ensina uma distinção nas operações do Espírito Santo, que
está relacionada com os conceitos de graça comum e de graça especial. A
graça comum refere-se à atuação do Espírito Santo no mundo em geral,
preservando valores morais e trazendo benefícios materiais, sobre todos
os homens indistintamente de suas crenças religiosas. A graça especial
refere-se à operação salvadora do Espírito, restrita apenas aos eleitos,
regenerando-os, iluminando-os e santificando-os pelo Evangelho de
Cristo. O pluralismo religioso ameaça esse conceito, pois ensina que o
Espírito de Deus age salvadoramente em todos os homens indistintamente
de suas religiões, sem se restringir ao âmbito do cristianismo. Um exemplo de pluralista cristão que defende esse ponto é o ex-calvinista Clark Pinnock.
2) Quanto à relação entre a Palavra e o Espírito. O
calvinismo ensina a relação indissolúvel entre a atuação do Espírito
Santo e a Palavra de Deus. O Espírito atua graciosamente através da
Palavra; por sua vez, a Palavra funciona como critério para
reconhecermos a atividade do Espírito, em contraste com a atividade de
espíritos malignos ou do espírito humano. O pluralismo e o pragmatismo
ameaçam este conceito. O primeiro, porque divorcia a atuação salvadora
do Espírito da verdade bíblica, como vimos no item anterior. E o segundo
por enfatizar a validade de experiências religiosas à parte de seus
conteúdos teológicos, ameaçando assim da mesma forma a relação entre o
Espírito e a Palavra.
3) Quanto à soberania do Espírito de Deus em converter pecadores e aumentar a Igreja.
Segundo o ensino calvinista, o aumento da Igreja através da conversão
de pecadores é uma obra soberana do Espírito Santo, através dos meios
secundários que Deus mesmo determinou. A Igreja deve evangelizar
ardorosamente, dependendo porém da operação soberana do Espírito Santo
quanto aos resultados. O pragmatismo representa um desafio para essa
convicção calvinista, pois enfatiza o emprego de métodos, estratégias e
técnicas tiradas do marketing secular e de ciências sociais como
sociologia e psicologia, através das quais a igreja poderá crescer. O
sucesso ou fracasso de igrejas locais no aumentar o número de seus
membros é relacionado, não à soberania do Espírito de Deus, mas ao uso
desses métodos. Embora calvinistas defendam o planejamento das
atividades missionárias e evangelísticas da Igreja, têm entretanto
sérias reservas quanto ao planejamento de resultados, uma estratégia que
faz parte do pragmatismo do moderno movimento de crescimento de
igrejas.
Influência generalizada do pluralismo e do pragmatismo entre os protestantes
O
pluralismo e o pragmatismo têm infectado o cristianismo mundialmente. O
tema da salvação em outras religiões foi discutido recentemente na
Assembléia Geral do Concílio Mundial de Igrejas. O relatório apresentado
trouxe debate considerável. Uma consulta teológica na suíça patrocinada
pelo CMI, composta por 25 teólogos, trouxe as seguintes conclusões:
Através da história, pessoas tem encontrado a Deus no contexto de várias religiões e culturas diferentes.
Todas as tradições religiosas são ambíguas, isto é, uma combinação do que é bom e do que é ruim.
É necessário progredir além de uma teologia que confina a salvação a um compromisso pessoal explícito com Jesus Cristo.
Em
algumas denominações o pluralismo tem sido proposto como filosofia
oficial, como na Igreja Metodista Unida, dos Estados Unidos. Nas igrejas
brasileiras que se consideram reformadas, a ameaça vem por diversas
avenidas, trazendo sérios desafios à doutrina calvinista do Espírito
Santo. Eis algumas dessas maneiras pelas quais o pragmatismo e o
pluralismo têm invadido as igrejas históricas:
a) A adoção de uma liturgia neopentecostal, particularmente a ênfase na experiência.
O culto hoje em igrejas evangélicas que adotaram esta ênfase, é
geralmente uma adaptação comunitária do pragmatismo americano, onde
todos fazem o que gostam, e todos gostam do que fazem.
b) O impacto do movimento de crescimento de igreja
na área de missões e evangelização das denominações, missões
paraeclesiásticas, e das igrejas locais. Mesmo as igrejas reformadas não
tem escapado à penetração dessas influências mencionadas acima. Embora o
movimento tenha levado a Igreja a repensar mais corretamente a sua
metodologia missionária, por outro lado, tem provocado reações por parte
de calvinistas quanto à seus pressupostos semi-pelagianos e sua
metodologia claramente pragmatista.
A
influência dessas filosofias pós-modernas pode ser percebida ainda de
outra maneira. Uma equipe de pesquisa composta de 60 estudiosos e mais
de 100 sócios completou um estudo sobre o presbiterianismo americano, no
seminário presbiteriano de Louisville, nos EUA. Uma das suas conclusões
é que no século XX a denominação sofreu de uma doença teológica, com
muitos presbiterianos evitando posições firmes e claras na área
teológica porque diferenças doutrinais tendem a produzir conflito ou
divisão. Essa é a razão por que eles tentaram em anos recentes resolver
problemas potencialmente divisivos em termos políticos e não teológicos.
A
diversidade de perspectivas teológicas dentro das denominações
presbiterianas tem origem na escolha enfrentada em 1927 pela Igreja
Presbiteriana nos Estados Unidos de América (PCUSA). A denominação teve
que decidir entre subscrever a um conjunto fixo de doutrinas ou permitir
uma diferença maior entre opiniões teológicas. A Igreja decidiu por não
delinear as doutrinas exatas que todos os presbiterianos teriam que
aceitar, uma decisão consistente com o presbiterianismo histórico
daquele país. Debates doutrinários haviam sido freqüentes no passado,
com divisões acontecendo sempre que as disparidades ficavam
intoleráveis. A pergunta agora é se o pluralismo teológico produziu
alguma teologia que tenha bastante substância. O pluralismo promete
enriquecer a teologia mas na realidade tende a dilui-la em opções
múltiplas que não são coerentes nem persuasivas. E a identidade
reformada quanto à ação do Espírito tende a desaparecer.
O Desafio Hermenêutico: Neopentecostalismo
O que é o neopentecostalismo?
Por
neopentecostalismo quero dizer aqueles movimentos surgidos em décadas
recentes, que são desdobramentos do pentecostalismo clássico do início
do século, mesmo que abandonaram algumas de suas ênfases características
e adquiriram marcas próprias, como ênfase em revelações diretas, curas,
batalha espiritual, e particularmente uma maneira sobrenaturalista de
encarar a realidade espiritual.
A
hermenêutica destes movimentos é caracterizada por uma leitura das
Escrituras e da realidade sempre em termos da ação sobrenatural de Deus.
Deus é percebido somente em termos de sua ação extraordinária. Para o
neopentecostal típico, Deus o guia na vida diária através de impulsos,
sonhos, visões, palavras proféticas, e dá soluções aos seus problemas
sempre de forma miraculosa, como libertações, livramentos, exorcismos e
curas. A doutrina que define, mais que qualquer outra, as igrejas
evangélicas no Brasil hoje, é a crença em milagres. É claro que não
estou dizendo que crer em milagres seja errado. O que estou dizendo é
que, na hora que a crença em milagres contemporâneos e diários passa a
ser a característica maior da igreja evangélica, algo está errado.
Desafios para a doutrina do Espírito Santo
A
hermenêutica sobrenaturalista do neopentecostalismo representa um
desafio para a identidade reformada pois tende a menosprezar uma das
doutrinas típicas do calvinismo, que é a providência de Deus. Partindo
das Escrituras, os reformados usam o termo providência para se referir à
ação de Deus, pelo seu Espírito, agindo no mundo através de pessoas e
circunstâncias da vida para atingir seus propósitos. Esses meios não são
intervenções miraculosas ou extraordinárias de Deus na vida humana, mas
simplesmente meios naturais secundários. Os calvinistas reconhecem que
Deus intervém miraculosamente neste mundo, mas sempre em regime de
exceção. Normalmente, ele age através dos meios naturais.
O
neopentecostalismo, por enfatizar a ação sobrenatural e miraculosa de
Deus no mundo (a qual não negamos, diga-se), acaba por negligenciar a
importância da operação do Espírito Santo através de meios secundários e
naturais. Essa negligência torna-se mais séria quando nos
conscientizamos que o Espírito normalmente trabalha através de meios
secundários e naturais para salvar os pecadores. Acredito não ser
difícil de provar que a esmagadora maioria dos cristãos foram salvos
através de meios naturais – como o testemunho de alguém, a leitura da
Bíblia, a pregação da Palavra – e não através de intervenções
miraculosas e extraordinárias, como foi a conversão de Paulo.
Como
resultado do sobrenaturalismo neopentecostal, as igrejas reformadas por
ele afetadas tendem a considerar os meios naturais como sendo
espiritualmente inferiores. Um bom exemplo é a tendência de não se tomar remédios, como sendo falta de fé.
Um outro resultado é a diminuição da pregação do Evangelho como meio de
salvação dos pecadores, e a ênfase nos milagres como meio
evangelístico. Assim, a obra do Espírito na Igreja e no mundo através
dos meios naturais secundários é negligenciada, com graves e perniciosos
efeitos nas vidas dos que abraçam a cosmovisão neopentecostal.
Conclusão
Esses
desafios à identidade reformada quanto à ação do Espírito Santo já se
encontram presentes em nosso meio, e prometem persistir por ainda muito
tempo. Alguns dos movimentos contemporâneos que trazem no bojo de seus
pressupostos e de sua metodologia esses desafios, continuam a crescer no
Brasil, e a influenciar as igreja reformadas. Esses movimentos, como o
reavivalismo, crescimento de igrejas, batalha espiritual e ecumenismo
forçam as igrejas reformadas a reavaliar o que crêem quanto à ação do
Espírito na Igreja e no mundo. O desafio é que façamos isso procurando
cada vez mais conformar essas crenças com o ensino das Escrituras
Sagradas, a Palavra de Deus, e com a nossa tradição calvinista.
Por: Augustus Nicodemus
Fonte: Igreja Reformada
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