quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Tirando a bola sem fazer falta

O Brasil é reconhecidamente o melhor futebol do mundo na história das copas. Além de suas conquistas extraordinárias, o que mais chama a atenção para a seleção canarinho é o seu estilo “arte” de jogar. Ao contrário do futebol matemático e duro dos europeus e do futebol de “pegada” dos sul-americanos, o Brasil, historicamente, mostra um futebol leve, limpo e fundamentado no talento individual. Somente os “hermanos” argentinos concorrem conosco nesta qualidade em todo o mundo!

A pergunta do leitor curioso certamente é: “E daí? O que isso tem a ver com a nossa vida espiritual e com as Escrituras Sagradas?” Por incrível que pareça, tem muito mais relação do que parece.

Em primeiro lugar, é importante destacar que o sucesso brasileiro talvez seja maior no campo evangélico do que no futebol. Em poucas décadas, a igreja brasileira cresceu de maneira extraordinária, congregando hoje mais de 40 milhões de evangélicos. Só as Assembléias de Deus, entre membros e freqüentadores, têm cerca de 20 milhões de fiéis. A igreja brasileira em números absolutos só está atrás dos EUA (estagnados) e da China (números incertos!). Se as Assembléias de Deus brasileiras fossem um país, estariam atrás apenas dos EUA, da China e da Nigéria em número de membros. Além disso, outras igrejas têm crescido de maneira significativa também. Igrejas pentecostais, comunidades independentes, igrejas neopentecostais e até igrejas históricas e tradicionais ainda crescem e crescem bem.

É claro que os críticos atentos irão, com uma boa dose de razão, questionar o dito crescimento com ímpeto e vigor. No entanto, aqui é preciso ir com calma, ter tato e bom senso. Vamos devagar, sem fazer falta! Não se poderia esperar que um país “espiritólico” em sua formação histórica se torne o paradigma teológico e eclesiástico da Reforma Protestante da noite para o dia. É preciso avaliar o contexto e esperar o amadurecimento com o tempo. O fato é que, aos poucos, estamos chegando lá. Muita coisa boa está acontecendo. As igrejas históricas estão mais flexíveis em seu tradicionalismo fechado, os pentecostais estão procurando mais conhecimento e estão mais equilibrados em suas ênfases; até os neopentecostais, depois de reduzirem significativamente o baixo espiritismo nacional, também mostram sinais de reflexão e ajuste. É o jeito brasileiro! A gente chega lá!

Apesar da postura colonianista de americanos e europeus para com o Brasil e a atitude de chegar aqui para ensinar o caminho aos “pobres tupiniquins”, os fatos mostram que estamos muito à frente do protestantismo fragilizado, secularizado e decadente do hemisfério norte. Apesar de todas as mazelas que nos afligem, família ainda é prioridade no Brasil (razão para buscar uma igreja), há uma sede por coisas espirituais, o secularismo é limitado em sua ação, as relações pessoais e sociais são intensas e o atrito entre a diversidade étnica é mínimo. Tudo isso produz um “caldo cultural” extremamente favorável à mensagem do Evangelho. Quem está encaixado naturalmente no sistema prospera com tranqüilidade e sucesso. Por exemplo, os pentecostais, principalmente os assembleianos, não fizeram cursos especiais, não são teólogos especializados nem aprenderam missões transculturais, mas o resultado do trabalho que fizeram está perante os olhos de todos. Isso é Brasil!


Creio que grande parte desse sucesso evangélico no Brasil está ligado ao “jeito brasileiro de ser”. É a arte de relacionar-se com os outros numa boa, sem arrumar confusão desnecessária. O famoso “deixa pra lá”, “vamos esfriar a cabeça”, “depois a gente vê”, tem mais sabedoria do que sugere à primeira vista. Se a Reforma Protestante tivesse acontecido aqui, dificilmente teríamos tido guerras religiosas e tanta mortandade! Nenhum brasileiro “padrão” aceita a idéia de guerra religiosa. Por incrível que pareça, esse jeito nacional é muito mais bíblico do que parece.

A própria Bíblia, quando fala de Deus, apresenta-nos um Deus pessoal, profundamente amoroso, e que tantas vezes releva. Observe o final do livro de Miquéias: “Quem é comparável a ti, ó Deus, que perdoas o pecado e esqueces a transgressão do remanescente da sua herança? Tu, que não permaneces irado para sempre, mas tens prazer em mostrar amor. De novo terás compaixão de nós; pisarás as nossas maldades e atirarás todos os nossos pecados nas profundezas do mar. Mostrarás fidelidade a Jacó, e bondade a Abraão, conforme prometeste sob juramento aos nossos antepassados, na antigüidade (Mq 7.18-20)”.

Quando se compara o juízo e o amor de Deus em ação, o placar é 1.000 x 4: “Senhor, Senhor, Deus compassivo e misericordioso, paciente, cheio de amor e de fidelidade, que mantém o seu amor a milhares e perdoa a maldade, a rebelião e o pecado. Contudo, não deixa de punir o culpado; castiga os filhos e os netos pelo pecado de seus pais, até a terceira e a quarta gerações” (Ex 34.6,7).

O Deus da Bíblia “bate”, mas “tem dó”. Ele não tem prazer na morte dos ímpios (Ez 33.11). O Senhor é fiel à sua aliança (Gn 15.17; 2 Sm 7; Jr 31) ainda que seu povo falhe, pois Ele tudo dirige pelo seu amor leal (hesed). Se o povo falha, Ele faz uma nova aliança e traz a salvação.

A decorrência de um relacionamento com um Deus assim, na prática, deve aumentar nosso otimismo, fé, misericórdia e amor. Aliás, a “misericórdia triunfa sobre o juízo” (Tg 2.13). Vamos observar isso, na prática, no ministério de Jesus. Ele sempre amou e suportou seus falhos e teimosos discípulos. Na hora “h”, os discípulos falharam e fugiram (Mt 26.56), mas nem por isso foram dispensados. Pedro, o corajoso, não fugiu, mas logo negou o próprio Senhor, apesar de avisado (Mt 26.69-75). Nem por isso, Pedro foi rejeitado. Que dizer de Judas? João 12.6 afirma que Judas era ladrão e cuidava da bolsa de dinheiro dos discípulos. Por que Jesus não o censurou logo? Seria Jesus cúmplice? Ou estaria o Senhor lhe dando mais uma chance? O que dizer do incrédulo Tomé? Mesmo duvidando do próprio Jesus, ele teve oportunidade de verificar a ressurreição e nem foi criticado por isso (Jo 20.27,28). A grande verdade é que estamos vivos hoje porque as misericórdias do Senhor se renovaram esta manhã (Lm 3.22,23).

Diante disso, creio que está na hora de, dominados pelo amor e misericórdia divinos, intensificarmos a teologia do “tirar a bola sem fazer falta”. Sejamos leais, sinceros e autênticos, e não “politiqueiros” levianos. No entanto, é preciso diminuir a acidez das críticas que fazemos aos nossos irmãos de fé. É necessário que enxerguemos aspectos positivos de movimentos imaturos e controvertidos. É sábio entender o momento frágil que um companheiro de fé está passando, sem triturá-lo apressadamente. É preciso vencer o preconceito e aproximar-se de quem é diferente. É fundamental que valorizemos a união que temos em Cristo. Se caminharmos nessa direção, ninguém segura, torcida brasileira. O amor é a arma mais poderosa e subversiva que existe!

O fato é que, nesse grande jogo, estamos ganhando e caminhamos para a vitória. Vamos evitar as “entradas duras” e “as pegadas por trás”. É melhor seguir os conselhos do técnico celestial, “tirando a bola sem fazer falta”. É campeão!!!

Por: Prof: Pr. Luiz Sayão
Fonte: Revista Enfoque

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