quarta-feira, 10 de novembro de 2021

A Incumbência Final Dada aos Discípulos | J.C. Ryle

Leia Mateus 28.11-20

Estes versículos formam a conclusão do evangelho de Mateus. Começam nos mostrando o quanto o preconceito cego prejudica o crente, antes que ele creia na verdade pura. Também nos mostram as fraquezas que havia nos corações de alguns discípulos, e como eles custaram a crer. A passagem se encerra contando-nos algumas das últimas pala­vras de nosso Senhor sobre a terra, palavras tão importantes que exigem e merecem toda nossa atenção.

Em primeiro lugar, devemos observar a honra conferida por Deus a nosso Senhor Jesus Cristo. Nosso Senhor diz: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra”. Essa também é uma verdade declarada por Paulo aos Filipenses: “Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome” (Fp 2.9). 

Essa é uma verdade que, sob hipótese alguma, contradiz a verdadeira noção da divindade de Cristo, conforme alguns, por ignorância, têm imaginado. Ela é simplesmente uma declaração de que, nos conselhos da Trindade eterna, Jesus, o Fi­lho do homem, é designado herdeiro de todas as coisas e Mediador entre Deus e os homens e de que a Ele cabe a salvação de todos os que são salvos; é uma declaração de que Ele é a grande fonte de misericórdia, graça, vida e paz. Foi por causa dessa “alegria que lhe estava proposta” que Ele “suportou a cruz” (Hb 12.2).

Com toda a reverência, apeguemo-nos decididamente a essa ver­dade. Cristo é aquele que tem as chaves da morte e do inferno. Cristo é o Sacerdote ungido, o único que pode absolver pecadores. Cristo é a fonte das águas vivas, o único que pode nos purificar. Cristo é o Prín­cipe e Salvador, o único que pode outorgar arrependimento e remissão de pecados. Nele habita toda a plenitude. Ele é o caminho, a porta, a luz, a vida, o Pastor, o altar de refúgio. Aquele que tem o Filho tem a vida, e quem não tem o Filho não tem a vida eterna. Que todos nós nos esforcemos para entender isto. É certo que os homens podem fa­cilmente pensar em termos pequenos demais acerca de Deus Pai e de Deus Espírito Santo, mas ninguém jamais pensou em termos demasia­damente grandes a respeito de Cristo.

Observemos, em segundo lugar, o dever de que Jesus incumbiu os seus discípulos. Jesus lhes disse: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações’’. Eles não deveriam reter para si mesmos o seu conhecimento de Jesus Cristo, e, sim, deveriam comunicá-lo a outras pessoas. Não deveriam supor que a salvação fora revelada exclusiva­mente para os judeus, e deviam fazê-la conhecida do mundo inteiro. Deveriam esforçar-se para fazer discípulos de todas as nações, e anun­ciar a todos os povos que Cristo havia morrido pelos pecadores.

Nunca nos esqueçamos de que essa solene determinação conti­nua ainda em pleno vigor. Continua sendo dever obrigatório de todo discípulo de Cristo fazer tudo quanto seja possível, pessoalmente, ou pela oração, para que outras pessoas venham a conhecer a Cristo. Se negligenciamos este dever, onde está a nossa fé? Onde está o nosso amor cristão? Se uma pessoa não tem o desejo de fazer o evangelho conhecido no mundo inteiro, bem se pode questionar se essa pessoa conhece mesmo o valor do evangelho.

Notemos, em terceiro lugar, a confissão pública que Jesus re­quer daqueles que creem em seu evangelho. Ele disse aos apóstolos para batizarem todos quantos recebessem como discípulos. Quando le­mos esse mandamento final de nosso Senhor, é muito difícil entender como os homens podem evitar a conclusão de que o batismo é necessário quando pode ser administrado. Parece impossível explicar o significado desta passagem como sendo outra coisa que não uma ordenança externa, a ser administrada a todos quantos se unem à igreja. 

Que o batismo externo não é algo absolutamente necessário para a salvação, fica cla­ramente demonstrado pelo caso do ladrão penitente que morreu ao lado de Jesus. Ele foi para o paraíso sem ter sido batizado. E que o batismo externo, apenas, não transmite qualquer benefício espiritual, o caso de Simão, o mago, o demonstra claramente. Embora batizado, ele per­manecia no “fel de amargura e laço de iniquidade” (At 8,23). Porém, a afirmação de que o batismo é uma questão totalmente indiferente e que nem mesmo precisa ser usado, parece algo que não concorda com as palavras de nosso Senhor nesta passagem.

A lição prática e clara, nestas palavras, é a necessidade de uma confissão pública de fé em Cristo. Não basta ser um discípulo secreto. Não devemos nos envergonhar por deixar que os homens vejam de quem somos e a quem servimos. Não devemos nos comportar como se não gostássemos de ser identificados como crentes; devemos tomar a nossa cruz e confessar o nosso Mestre perante o mundo. 

As palavras dEle são muito solenes: “Porque qualquer que... se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos” (Mc 8.38).

Em quarto lugar, sublinhemos a obediência que Jesus requer de todos os que se declaram seus discípulos. Ele disse aos apóstolos para ensinarem os novos discípulos a “guardar todas as cousas”, tudo o que Ele ordenou. Essa é uma expressão perscrutante que demonstra a inu­tilidade de um cristianismo apenas de nome e de aparência; demonstra que somente devem ser contados como verdadeiros cristãos aqueles que vivem em obediência prática à Palavra e se esforçam por cumprir as coisas que Ele ordenou. 

A água do batismo e o pão e vinho da Ceia do Senhor sozinhos, não salvarão a alma de ninguém. De nada adianta ir a uma igreja, e ouvir os ministros de Cristo, e concordar com o evan­gelho, se nossa religião não vai além disso. 
  • Como está a nossa vida? 
  • Qual é a nossa conduta diária, no lar e fora dele? 
  • O Sermão do Monte é a nossa regra e padrão de conduta? 
  • Nós nos esforçamos por copiar o exemplo de Cristo? 
  • Procuramos fazer as coisas que Ele ordenou? 
Es­tas são perguntas que precisam ser respondidas afirmativamente se somos realmente nascidos de novo e filhos de Deus. A obediência é a única prova dessa realidade. A fé sem obras, por si só está morta. “Vós sois meus amigos”, diz Jesus, “se fazeis o que eu vos mando” (Jo 15.14).

Em quinto lugar, assinalemos a solene menção à Trindade ben­dita, que nosso Senhor faz nestes versículos. Ele manda batizar “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Este é um daqueles gran­des textos bíblicos que direta e claramente ensinam a poderosa doutrina da Trindade. O texto fala do Pai, Filho e Espírito Santo como três pes­soas distintas, e todos os três como co-iguais. Assim como é o Pai, também é o Filho e o Espírito Santo. Não obstante, os três são um.

Essa verdade é para nós um grande mistério. Que nos seja su­ficiente receber e crer nessa doutrina, e que nos abstenhamos de qualquer tentativa de explicação. É tolice infantil recusar aceitação a alguma coisa, simplesmente porque não a entendemos. Nós somos como uns vermes que rastejam pelo chão, por breve tempo; quando muito, pouco conhe­cemos a respeito de Deus e da eternidade. Que seja suficiente recebermos no coração a doutrina da Trindade em Unidade, com uma atitude hu­milde e reverente, sem perguntas presunçosas. 

Creiamos que nenhuma única alma pecaminosa poderia ser salva sem a operação conjunta de todas as três pessoas na bendita Trindade; e regozijemo-nos, porque Pai, Filho e Espírito Santo, que cooperaram para criar o homem, tam­bém cooperam na salvação do mesmo. Convém que paremos por aqui. Podemos receber praticamente aquilo que não podemos explicar teori­camente.

Finalmente, observemos nestes versículos a graciosa promessa com que Jesus encerra suas palavras. Ele diz aos seus discípulos: “Es­tou convosco todos os dias até à consumação do século”. É impossível concebermos palavras mais consoladoras, fortalecedoras, animadoras e santificadoras do que essas. 

Embora deixados a sós, como crianças órfãs em um mundo frio e hostil, os discípulos não deveriam pensar que tivessem sido abandonados. O Mestre estaria sempre com eles (“con­vosco”). Embora comissionados a realizar uma obra tão dura quanto aquela para a qual Moisés fora enviado a Faraó, eles não deveriam ficar desencorajados. O Mestre certamente estaria “com eles”. Por conse­guinte, não havia palavras mais apropriadas para serem proferidas a quem o foram pela primeira vez. Nenhuma palavra poderia ser mais adequada à posição daqueles primeiros discípulos. Também não é pos­sível imaginar uma palavra mais consoladora para os crentes de todos os séculos.

Que todos os verdadeiros crentes se apossem dessas palavras de Jesus e as tenham sempre em mente. Cristo está “conosco” todos os dias. Cristo está “conosco” em todo lugar que vamos. Quando nasceu neste mundo, Ele veio para ser “Emanuel, Deus conosco”. Agora, quando chega ao fim de seu ministério terrestre e está prestes a deixar o mundo, Ele declara que é Emanuel, sempre “conosco”. 
  • Ele está co­nosco diariamente para perdoar e absolver; 
  • conosco diariamente para santificar e fortalecer; 
  • conosco diariamente para defender e guardar; 
  • conosco diariamente para conduzir e guiar; 
  • conosco em tristezas e ale­grias; 
  • conosco em saúde ou enfermidade; 
  • conosco na vida e na morte; conosco no tempo e na eternidade.
Que maior consolação os crentes poderiam desejar do que esta? Não importa o que aconteça, nunca estamos completamente sozinhos ou sem amigos. Cristo está sempre conosco. 

Podemos olhar para den­tro da sepultura e dizer, com Davi: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo” (SI 23.4). Podemos olhar para além da sepultura e dizer, com Paulo: “Estaremos para sempre com o Senhor” (1 Ts 4.17). Jesus o disse e o cumprirá: “Estou convosco todos os dias até à consumação do sé­culo”. E, igualmente: “De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei” (Hb 13.5). 

Não podríamos pedir mais do que isso! Prossigamos, confiando em Cristo e não tendo receio de coisa alguma. Ser um crente verdadeiro é tudo. Não há quem tenha semelhante Rei, um tal Sacerdote, um Companheiro tão constante e um Amigo assim, infalível, como têm os verdadeiros servos de Jesus Cristo.

Por J.C. Ryle 
In: Meditações no Evangelho de Mateus 
Editora Fiael

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