segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O Declínio Contemporâneo da Pregação ~ Prof. Rev. Paulo Anglada

downloadA pregação, como uma forma distinta de comunicação da vontade de Deus revelada na sua Palavra, está em declínio. Em muitas igrejas ela tem sido substituída por um número cada vez maior de atividades, tais como representações, recitação de poemas, jograis, testemunhos, debates, discursos políticos, atividades sociais e administrativas, e especialmente pela música, incluindo corais, conjuntos, bandas, quintetos, quartetos, duetos, solos, etc. Cada vez mais tempo tem sido conferido a estas outras atividades e menos à pregação.

Cerca de 30 anos atrás, o Dr. Martyn Lloyd-Jones foi convidado a proferir uma série de conferências no Westminster Theological Seminary, na Filadélfia. Nestas palestras, publicadas em 1971, com o título Pregação & Pregadores, ele enfatizou que a pregação é a tarefa primordial da igreja e do ministro; e explicou que estava ressaltando isso, “por causa da tendência, hoje, de depreciar a pregação em prol de várias outras formas de atividade”.[1][2] A situação não melhorou. John J. Timmerman observou, quase vinte anos depois, que “em muitas igrejas, o sermão é uma ilha diminuindo cada vez mais em um mar turbulento de atividades”.[2][3]

Mesmo igrejas de tradição reformada parecem estar sucumbido paulatina, mas progressi­vamente à esta tendência; e o lugar da pregação no culto tem perdido importância. John Frame, teólogo de tradição reformada, professor no Westminster Theological Seminary na Califórnia, publicou há dois anos o livro Culto em Espírito e em Verdade; Um Estudo Estimulante dos Princípios e Práticas do Culto Bíblico. No livro o autor nega, entre outras coisas, que a pregação seja função restrita dos ministros da Palavra, ou mesmo dos presbíteros em geral; considera a dramatização e o diálogo métodos legítimos de ensino no culto público; e não vê razão pela qual um culto público não possa ser inteiramente musical.[3][4]

Há diversas razões para o declínio contemporâneo da pregação. Uma dela é de ordem tecnológica: o surgimento de novos meios de comunicação (cinema, televisão, vídeo cassete), e de novas mídias interativas (CD-ROM, Internet e TVs a cabo). Sustentar a pregação como forma admissível de comunicação nestes dias de tamanho avanço tecnológico parece um anacronismo para muitos nesta geração multimídia.[4][5]

Outra razão é a aversão do homem moderno à verdade objetiva. Vivemos numa sociedade pós-moderna, em que não há mais lugar para verdades concretas ou absolutas. Cada um tem a sua própria verdade. Klaas Runia, teólogo reformado holandês, publicou um livro, com o título O Sermão sob Ataque, no qual observa que a presente aversão à pregação é fruto do liberação intelectual ocidental. O homem moderno, afirma ele, “não quer que lhe digam o que é verdadeiro ou certo; ele quer descobri-lo por si mesmo e quer determinar por si mesmo o que deve fazer… Ele quer participar da discussão, mas o sermão não dá oportunidade para discussão”.[5][6] Esta filosofia relativista tem levado muitos pregadores a sentirem-se bastante desconfortáveis com a idéia de fazer declarações públicas autoritativas.[6][7]

A secularização da sociedade também contribuiu de modo decisivo para a depreciação da pregação. Os “cuidados do mundo e a fascinação das riquezas” têm desviado a atenção das pessoas das questões essenciais da vida: as questões filosóficas e espirituais. Mesmo quando, afligido pela própria sociedade secularizada em que vive, o homem moderno se volta para o espiritual, ele tende a tornar-se espiritualista, sincretista, supersticioso, animista, em conseqüência da sua ignorância espiritual.

Uma das principais razões para o que vem ocorrendo com a pregação, consiste no afastamento do cristianismo das Escrituras. O cristianismo moderno tem sido cada vez mais influenciado pelas filosofias correntes: o racionalismo, o subjetivismo, o pragmatismo; e se afastado da Palavra de Deus como regra suprema de fé e prática. As doutrinas reformadas da autoridade e suficiência das Escrituras não parecem ser levadas a sério. O racionalismo do século passado e da primeira metade deste século minou a autoridade das Escrituras e, consequentemente, da pregação. O subjetivismo deste século fez do indivíduo o centro de todas as coisas. O pragmatismo moderno justifica todos os meios, desde que se mostrem eficazes para a consecução dos objetivos desejados. Retornar às Escrituras implica em redescobrir a pregação. Afastar-se dela resulta sempre na depreciação da pregação.

A própria corrupção da pregação suscita reação adversa. A verdadeira pregação é insuportável para o pecador não humilhado. A pregação corrompida é insuportável para o crente sincero. Quando a pregação degenera em eloqüência de palavras, demonstração de sabedoria humana, elucubrações metafísicas, meio de entretenimento, ou embromação pastoral dominical, ela pode provocar aversão nos ouvintes; e outras coisas tendem a tomar o seu lugar. É compreensível! Se a voz de Deus não se faz ouvir no culto por meio da legítima pregação da Palavra, é natural que outros elementos e práticas tomem o seu lugar.

No livro Pregação e Pregadores, Lloyd-Jones menciona algumas razões bem particulares para a presente depreciação da pregação, que também merecem ser consideradas: os “pulpiteiros”, a ênfase moderna em aconselhamento pessoal (hoje degenerado em clínicas pastorais de aconselhamento psicológico), e o ritualismo. Por “pulpiteiros”, Lloyd-Jones se refere aos profissionais do púlpito do século passado e do início deste século, os quais davam valor exagerado à forma e ao estilo elaborado do sermão. Estes homens eram verdadeiros showmen, peritos em dominar e persuadir o auditório com sua presença, gestos, voz e linguagem elaboradas.

Eles ainda existem, mas, de modo geral, a ênfase na qualidade do discurso foi substituída pela persuasão emocional. Lloyd-Jones considera abominável esta classe de pregadores, pois eles transformam a pregação em entretenimento intelectual ou emocional. Com relação ao aconselhamento pessoal, o pregador galês sugere que a ênfase moderna na necessidade de um tratamento individualizado dos problemas psicológicos, sociais, de relacionamento, etc. de cada pessoa em particular, também é responsável pela presente depreciação da pregação.[7][8] A reivindicação, observa ele, tem sido no sentido de que os ministros “…deveriam pregar menos e gastar mais tempo com um trabalho individual, aconselhando e conversando”.[8][9] Ele responde o argumento asseverando que a pregação lida de modo eficaz e insubstituível com os problemas pessoais da congregação.[9][10] Quanto ao ritualismo, Lloyd-Jones refere-se à tendência de enfatizar formas elaboradas de culto, atribuindo-lhes certa conotação religiosa. Creio que sua observação, a seguir, merece a nossa consideração:

À medida que a pregação desvanece, tem havido um crescimento do elemento formal no culto. É interessante observar como os membros de igrejas livres, não episcopais — seja como for que os chamem — têm progressivamente tomado emprestado essas idéias do tipo de culto episcopal, quando a pregação desvanece. Eles argumentam que as pessoas deveriam ter mais participação no culto e, assim, têm introduzido leituras responsivas, e mais e mais música, cânticos e canções. As maneiras de receber as ofertas têm se tornado mais elaboradas, os ministros e corais geralmente entram em procissão… a medida que a pregação declina, estas outras coisas têm sido enfatizadas… e as pessoas têm sentido que é mais dignificante dar maior atenção ao cerimonial, a forma, ao ritual.[10][11]

Tudo isso, fez com que o evangelicalismo moderno encarasse a pregação como uma atividade meramente humana, de eficácia, no mínimo, duvidosa.

Essas tendências e influências produziram resultados devastadores sobre a pregação nos meios evangélicos. Ela tornou-se como que um apêndice no culto público – e as conseqüências sem dúvida têm se feito sentir na vida da igreja. Na perspectiva reformada, o declínio do lugar da pregação no evangelicalismo moderno é uma constatação seriíssima. Se a teologia reformada com relação à pregação reflete o ensino bíblico, então muito do estado presente da igreja cristã certamente se explica como resultado desse declínio da pregação.

Por: Prof. Rev. Paulo Anglada

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[1][2] D. Martyn Lloyd-Jones, Preaching and Preachers (first published in 1971, reprint, London: Hodder and Stoughton, 1985), 26.

[2][3] John J. Timmerman, Through a Glass Lightly (Grand Rapids: Eerdmans, 1987). Citado em David J. Engelsma, “Preaching in Worship: Voice of God, Voice of Christ (1)”, SBearer 74, no. 8 (1998). http://www. prca.org/standard_bearer/1998jan15.html#PreachingInWorship. Internet; acessado em 05/09/98. Conferir também Paul Helm, “Preaching and Grace”, The Banner of Truth 117 (1973): 8.

[3][4] John M. Frame, Worship in Spirit and Truth; A Refreshing Study of the Principles and Practice of Biblical Worship (Presbyterian & Reformed, 1996), 91-94, 114. A posição de Frame tem sido contestada por outros teólogos reformados. David Engelsma, por exemplo, observa que com base na negação de qualquer distinção entre o culto público oficial e o culto familiar, John Frame faz uma interpretação tão ampla do princípio regulador reformado, que este acaba se tornando sem sentido (Engelsma, “Preaching in Worship: Voice of God, Voice of Christ (1)”). Para uma contestação do artigo de Frame, na mesma linha: “Some Questions about the Regulative principle”, Westminster Theological Journal 54, no. 2 (1992): 357-366, ver T. David Gordon, “Some Answers about the Regulative Principle”, WTJ 55, no. 2 (1993): 321-331.

[4][5] Ver, na mesma direção, comentário de John Armstrong, citado por Errol Wagner, “Counseling the Flock through Preaching”, Reformation Today 160 (1977): 14.

[5][6] Klaas Runia, The Sermon under Attack (Exeter: Paternoster, 1983). Citado por David J. Engelsma, “Preaching in Worship: Voice of God, Voice of Christ (1)”. Ver também Héber Carlos de Campos, “O Pluralismo do Pós-Modernismo”, Fides Reformata 2, no. 1 (1997): 5-28.

[6][7] Ver Wagner, “Counseling the Flock through Preaching”, 14.

[7][8] Lloyd-Jones, Preaching and Preachers, 17-18 e 36-40.

[8][9] Ibid., 37.

[9][10] Ibid. Para um artigo tratando da relação entre aconselhamento e pregação na mesma linha, ver também Wagner, “Counseling the Flock through Preaching”, 11-19.

[10][11] Lloyd-Jones, Preaching and Preachers, 16

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