quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Quebrantamento: Espírito de Humilhação | Rev. Richard Baxter | Capítulo 03

Capítulo 3 | Erros sobre a Humilhação a Serem Cuidadosamente Evitados

Pelo que já foi dito, você pode perceber quais os erros a serem cuidadosamente evitados com relação à sua humilhação, e com que cuidados ela deve ser buscada.

(1) Um erro com o qual você deve tomar cuidado, é o de não encarar a humilhação como algo irrelevante, ou como apenas um apêndice à fé, que pode ser dispensado. Não pense que uma alma não humilhada, enquanto tal, pode ser santificada. Alguns corações carnais supõem que apenas os pecadores mais atrozes precisam ser contristados e ter o coração quebrantado, mas que isto não é necessário para eles, que foram criados descente e religiosamente desde a mocidade. Mas é tão possível ser salvo sem fé e sem arrependimento quanto sem esta humilhação especial, a qual eu já descrevi, e que é parte da sua santificação.

(2) Outro erro a ser cuidadosamente evitado é o de colocar a sua humilhação somente ou principalmente na parte emocional, ou nas expressões externas dessas emoções. Eu me refiro tanto a uma dor aguda, como à tristeza de coração, ou ainda às lágrimas. Mas você deve se lembrar que o valor dela, como eu disse antes, está na sua reação ao julgamento e na vontade. Não é o grau de uma tristeza ou angústia de sentimentos que mostrará melhor o grau de sinceridade da sua humilhação, e muito menos as suas lágrimas ou expressões exteriores. Mas é a baixa avaliação que você faz de si próprio, e a aceitação em ser visto como vil aos olhos dos outros. É o seu descontentamento, e o desejo de gemer e chorar por causa do pecado o tanto quanto Deus gostaria que você o fizesse, juntamente com a aceitação do julgamento e vontade antes descritos que demonstram realmente a sua humilhação.

Há dois grandes perigos aqui, diante de você, a serem evitados. Há alguns que podem ter terríveis angústias de tristeza, e estão a ponto de arrancar os próprios cabelos, sim, e até mesmo de darem um fim a si próprios, como Judas, por causa do horror da sua consciência; e isto poderia lhes parecer que eles teriam verdadeira humilhação. Mas mesmo assim não a têm. Alguns podem chorar abundantemente em um sermão, ou em uma oração, ou ao mencionar seus pecados a outros, e, portanto, pensar que estão realmente humilhados; mas ainda assim podem não estar. Pois, se ao mesmo tempo, seu coração ama o pecado e prefere apegar-se a ele do que se livrar dele, ou não tem um ódio habitual pelo pecado e um amor predominantemente muito maior a Deus, a sua humilhação nada tem a ver com a obra de salvação. Os seus sentimentos e as suas lágrimas podem até ser forçados contra a sua vontade. Se você não deseja realmente odiar o pecado, os sentimentos e as lágrimas dificilmente significariam mais do que uma graça comum.

Muitos podem chorar por causa dos sentimentos, e por causa da natureza feminina sensível, e ainda assim permanecerem não humilhados, podendo até estar em um grau muito elevado de orgulho. Quão regularmente vemos tantos que são assim! As mulheres, especialmente, podem chorar mais em um culto ou conversa, do que alguém que está realmente quebrantado poderia fazê-lo em toda a sua vida, e ainda assim estarem tão longe de se verem vis aos seus próprios olhos e desejarem ser vistas assim aos olhos dos outros que elas odiarão, reprovarão e criticarão todos aqueles que as acusarem com as faltas que elas mesmas parecem se lamentar. Também, ao serem acusadas de horrendos pecados, estas pessoas se desculparão e suavizarão seus pecados, fazendo deles assunto de menor importância e se apegando àqueles que tenham um alto conceito delas. É assim que o pecado reina regularmente em seus corações: manifesta-se nas suas palavras e vidas; faz com que odeiem aqueles que com fidelidade as reprovam; e que vivam em contenda com qualquer um que venha a desonrá-las, apesar de todas as lágrimas que caem dos seus olhos. Assim, portanto, não julgue pelos sentimentos, ou apenas pelas lágrimas, mas pela reação aos julgamentos e pela vontade, como foi dito acima.

Um outro caso, que é muito melhor e mais feliz do que o primeiro, mas que produz grande dificuldade, é o erro daqueles que pensam que não têm uma verdadeira humilhação por não experimentarem tais sentimentos e liberdade de lágrimas como outros experimentam quando o coração deles é contristado, pois não conseguem derramar sequer uma lágrima.

Diga-me apenas isto: “Você se vê como vil aos seus próprios olhos por ser culpado de pecados, e isto contra o Senhor, a quem você realmente ama? Você odeia os seus pecados, por causa das suas abominações, e desejaria de coração sofrer quando estivesse pecando? E se você tivesse que escolher de novo, você preferiria sofrer do que pecar? Você sente o desejo de se entristecer por causa do pecado mesmo quando não pode sentir tristeza, e deseja chorar, ainda que não consiga? Pode você suportar calmamente quando é ofendido, porque sabe que é realmente vil? É você grato a um reprovador sincero, apesar dele lhe mostrar o mais terrível pecado? Você considera as suas próprias palavras e feitos indignos, e as palavras e feitos dos outros melhores, desde que haja a menor razão para isso? Você atribui justiça às aflições que vêm de Deus e às reprimendas verdadeiras de homens, e se considera indigno da comunhão dos santos, ou de ver a justiça de Deus se Ele viesse a condená-lo?”

Este é o estado de uma alma humilhada. Se você puder responder afirmativamente a estas perguntas, então não precisa duvidar da sua aceitação por parte de Deus, mesmo que você não derrame uma lágrima. Há mais humilhação em uma baixa estima de nós mesmos do que em mil lágrimas, e mais em uma vontade ou desejo de chorar pelo pecado do que nas lágrimas que vêm motivadas pelo terror, por uma consciência pesada, ou pelos sensíveis sentimentos naturais. Se a vontade estiver correta, você não precisa temer. É aquele que mais odeia o pecado e é mais severo para com o pecado que é humilhado por causa dele. Aquele que lamenta o pecado hoje e o comete amanhã é muito menos humilhado e penitente do que aquele que não é atraído para o pecado na esperança dos prazeres do mundo, nem o comete, mesmo que fosse para salvar sua vida.

(3) Para evitar isto alguns incorrem no erro oposto e pensam que a tristeza e lágrimas são desnecessárias, e que podem se arrepender com ou sem lágrimas. Estes, fundamentam tudo em alguns desejos vagos e ineficazes; e assim, pensam que o coração foi mudado. Mas certamente Deus não criou os sentimentos em vão. É impossível que um homem possa ter uma vontade santificada e as suas emoções não manifestem alguma correspondência, e sejam controladas pela vontade. Embora não possamos gemer naquele grau que desejaríamos, ainda assim terá de haver alguma tristeza sempre que o coração for verdadeiramente mudado, e, aparentemente, esta tristeza deveria ser grande. Ninguém pode crer de coração que o pecado é o maior mal para sua alma sem ser afligido por isto. Na verdade, os nossos sentimentos mais vivos deveriam ser afetados por estas coisas tão importantes. É uma vergonha ver um homem gemer por um amigo e lamentar por uma provação, que afeta apenas a carne, e, no entanto, ser tão insensível à praga do pecado, à ira do Senhor, e sorrir e gracejar com tais pesos sobre a sua alma.

Embora a tristeza e as lágrimas não sejam o coração e a parte principal de nossa humilhação, ainda assim elas devem ser buscadas como um dever. Sim, certo grau de tristeza é absolutamente necessário, e a falta de lágrimas não é um bom sinal naqueles que as derramam por outras coisas. Na verdade, a convicção da nossa loucura e crueldade deveria ser tão grande a ponto de quebrar o nosso coração de tristeza, derreter o nosso peito, e produzir rios de lágrimas dos nossos olhos. Se nós não podemos produzir isso em nós, devemos antes lamentar a dureza do nosso coração, ao invés de nos desculparmos.

(4) Neste item, trataremos de como responder à questão, se é possível a um homem ser humilhado e se arrepender em demasia.

A manifestação exterior da humilhação, que consiste nos atos que provêm do entendimento e da vontade, não podem ser maiores do que o próprio entendimento e a vontade que produziram estes atos. Se as manifestações externas forem maiores do que a própria vontade, elas não apenas serão erradas como também nada terão a ver com a verdadeira humilhação salvadora. Um homem pode se considerar pior do que ele realmente é, pensando falsamente de si mesmo como se ele fosse culpado de pecados dos quais realmente ele não é; e isto não é a mesma coisa que verdadeira humilhação. Mas, se ele tiver uma clara apreensão da maldade do seu pecado e da sua própria vileza, a isto ele não deve temer.

No âmbito da vontade é mais claro: nenhum homem pode estar querendo livrar-se do pecado em demasia, nem ter a mesma aversão ao pecado quanto o próprio Senhor o tem. Mas, quanto à outra parte da humilhação que consiste em aguda tristeza ou lágrimas, pode muito bem ocorrer em demasia, embora eu conheça muito poucos que incorrem neste erro ou precisem temer isso, pois o homem normal do mundo é estúpido e duro de coração, e até a maioria dos piedosos são lamentavelmente insensíveis.

Ainda assim, há alguns poucos que necessitam desse conselho, a fim de que não se agonizem em grau excessivo de tristeza. Permita que o seu coração se disponha o mais possível contra o pecado, mas permita também algum limite às suas tristezas e lágrimas. Este conselho é necessário aos seguintes tipos de pessoas: (1) Às pessoas melancólicas, as quais estão em perigo de serem perturbadas, e agirem de modo irracional e sem propósito por excessiva tristeza. Seus pensamentos são fixos, confusos, sombrios, escuros e cheios de temores, e acabam tornando as coisas piores do que já são, sendo mais profundamente afetadas por estes sentimentos do que suas cabeças podem suportar. (2) Este é o caso também de algumas mulheres fracas de espírito, as quais não são melancólicas, mas ainda assim, por fraqueza natural de seus cérebros e por serem altamente sensíveis, não têm condições de suportar estas comoções sentimentais sérias e profundas que outros podem desejar, pois a profundidade da sua sensibilidade e a intensidade das suas paixões representam um perigo de serem lesadas pelos seus julgamentos, e serem facilmente lançadas à melancolia, ou a algo ainda pior.

Ser destituído da razão é uma das grandes calamidades corporais nesta vida, e isto seria um grande problema tanto para a própria pessoa como para os que a cercam. Trata-se de uma questão de vergonha e desonra para o Evangelho aos olhos dos ímpios que não entendem o caso. Quando eles vêem alguma tristeza excessiva e desmesurada, ou alguém cair em perturbação, isto representa uma grande tentação para que fujam da religião, evitem a tristeza que vem de Deus e todos os pensamentos sérios a respeito das coisas celestiais. Faz com que os tolos escarnecedores digam que a religião torna o homem maluco, e que esta humilhação e conversão para as quais os conclamamos é o caminho para fazê-los perder o juízo. Assim sendo, por causa da tristeza dos piedosos, e do endurecimento dos impiedosos, o caso se reveste de seriedade a ponto de requerer nosso maior cuidado em evitá-lo.

Pergunta: Mas se é tão perigoso entristecer-se, tanto de modo insuficiente como em demasia, o que fará um pobre pecador em tal desfiladeiro, e como pode ele saber quando deve restringir sua tristeza?

Resposta: Há pouquíssimas pessoas no mundo que têm razão em temer o excesso deste tipo de tristeza. A situação geral do homem é ser insensível; a tristeza do mundo provoca muito mais melancolia e perturbação do que a tristeza que vem de Deus. Mas, para aqueles poucos que estão em perigo de excesso, eu primeiramente direi como discernir o perigo e, depois, como remediá-lo.

Quando a sua tristeza é maior do que o seu julgamento pode suportar, com aparente perigo de perturbação ou de distúrbio melancólico e diminuição de seu entendimento, então a tristeza é certamente demasiada e deve ser restringida. Porque se você arruinar a sua razão, você se constituirá em opróbrio para a religião, e não estará habilitado para nada que seja realmente bom: nem para sua edificação, nem para o serviço do reino de Deus.

Se você estiver com uma séria doença a qual a tristeza poderia aumentar o risco para sua vida, você então tem razão para restringi-la; embora não deva abster-se de arrepender-se, ou descuidar-se da sua salvação; mas, o sentimento de tristeza, esta você deve moderar ou reduzir.

Quando a tristeza é tão grande a ponto de transtornar a sua mente, ou enfraquecer o seu corpo, de modo a incapacitá-lo para o serviço de Deus, e a torná-lo mais despreparado para fazer o bem, você tem razão então para moderar e restringir a tristeza.

Quando a intensidade da sua tristeza sobrepuja a medida necessária do seu amor, ou alegria, ou gratidão, deixando estes de lado, apossando-se mais do seu espírito do que deveria, não deixando espaço para os seus outros deveres, então esta tristeza é excessiva, e precisa ser restringida. Há alguns que se esforçariam e lutariam com seus corações para arrancar algumas lágrimas e aumentar sua tristeza, os quais, entretanto, fazem pouco caso de outros sentimentos e não se esforçariam a metade para aumentar sua fé, amor e alegria.

Quando o seu sofrimento, por causa da sua intensidade, o conduz à tentação ou ao desespero, ou a pensar que Deus e o Seu serviço são duros demais, ou a desvalorizar Sua graça e a satisfação de Cristo, como se fossem deficientes e insuficientes para você, neste caso, você tem razão para moderar e restringir o sofrimento.

Quando a sua tristeza é inoportuna e a vontade precisa de impulso em momentos quando você é conclamado à gratidão e à alegria, você tem então razão em moderá-la e restringi-la durante estas épocas. Não que devamos eliminar toda tristeza, seja qual for o dia de alegria ou gratidão, a menos que possamos suprimir todos os nossos pecados nos deveres daquele dia. Também não devemos suprimir todo conforto espiritual e prazer nos dias de maior humilhação. Porque assim como o nosso estado aqui é um misto de graça e pecado, assim também todos os nossos deveres religiosos devem ser um misto de alegria e tristeza. É apenas no céu que teremos alegria absoluta, assim como é apenas no inferno que há tristezas absolutas, ou, pelo menos, em nenhum estado de graça. Mas, por enquanto, por causa disso tudo, há épocas agora quando um destes sentimentos deve ser exercido de modo mais preponderante, e o outro em menor grau. Em tempos de calamidades, por exemplo, e após uma queda, nós somos tão conclamados à humilhação que o conforto deveria apenas moderar nossas tristezas, e o seu exercício deveria estar submisso nestas épocas. Assim também em épocas de especial misericórdia da parte do Senhor nós podemos ser conclamados a exercitar nossa gratidão, louvor e alegria tão preponderantemente que a tristeza deve nos manter humildes, e ser, por assim dizer, serviçal às nossas alegrias.

Quando graça e misericórdia são mais eminentes, então a alegria e o louvor deveriam ser predominantes, o que se verifica com mais freqüência em uma vida cristã que anda erguida a cuidadosamente com Deus. Quando pecado e julgamento são mais eminentes, a tristeza deve então ser predominante, visto ser um meio necessário para uma sólida alegria. Assim sendo, normalmente um pecador que ainda está passando pela obra de conversão, e é recém-chegado a Deus de um estado de rebelião, deve estimular mais tristeza, e se dar mais a gemidos e lágrimas do que posteriormente, quando for trazido à reconciliação com Deus, a andar com integridade.

Pergunta: Mas quando é, por outro lado, que eu posso saber que a minha humilhação é pequena demais, e que deveria me esforçar para aumentá-la?

(1) Quando, aparentemente, não há os perigos acima mencionados, quais sejam de destruir seu corpo, perturbar sua mente, transformar suas faculdades, afogar as outras graças, deveres, etc. Não havendo estes perigos você tem pouca razão de temer o excesso.

(2) Quando você não se humilhou o suficiente para levá-lo a valorizar o amor de Cristo, a ter estima pelo Seu sangue e seus efeitos, a ter fome e sede Dele e de Sua justiça e a mendigar ardentemente pelo perdão de seus pecados. Então você tem razão de desejar mais humilhação. Se você não sente grande necessidade de Cristo, mas passa por Ele tão desinteressadamente, como o estômago cheio passa pela comida, como se você pudesse passar muito bem sem Ele, então você pode estar certo de que precisa ser mais quebrantado. Se você não é tão movido pelo amor de Deus, a ponto de se desvencilhar de qualquer coisa para gozá-Lo, e de não considerar nada mais querido do que os céus, você necessita ficar sob convicção dos seus pecados e miséria um pouco mais, e de implorar ao Senhor que o salve do seu coração de pedra. Se você pode ouvir do amor e dos sofrimentos do seu Redentor sem ferver de amor por Ele novamente, e pode ler ou ouvir as promessas de graça, sobre os dons de Cristo, e sobre a vida eterna sem nenhuma considerável alegria ou gratidão, é tempo de implorar a Deus por um coração mais humilhado.

(3) Quando há muitos altos e baixos na obra da sua conversão, e você fica às vezes num bom estado, e novamente num mau estado, como se ainda estivesse irresoluto quanto a se deve mudar ou não; quando você hesita diante dos termos que Cristo estabelece quanto à autonegação, à crucificação da carne, e a abandonar tudo pela esperança da glória, e acha estas coisas duras, e está ainda considerando se deveria submeter-se a elas ou não, ou está ainda reservando secretamente alguma coisa para você mesmo. Isto tudo certamente mostra que você ainda não foi suficientemente humilhado, caso contrário você não estaria agindo tão levianamente para com Deus. Ele ainda deve colocar os seus pecados diante de você, e segurá-lo por um pouco sobre o fogo do inferno, e fazer soar em sua consciência tal estampido, a ponto de fazer com que você se submeta e acabe com suas dúvidas, e o ensine a não mais procrastinar com seu Criador.

O próprio Faraó ficava submisso e insubmisso a Deus, e às vezes deixava Israel ir, às vezes não, sendo necessário que Deus o humilhasse com praga sobre praga, até fazê-lo submeter-se e ficar até feliz em permitir que o povo partisse. Mesmo quando Deus usa dos meios de graça, quando o coração é duro, Ele faz tanto uso das tristezas quanto seja necessário para fazer com que o homem se submeta o mais cedo possível aos Seus termos e se alegre em obter misericórdia em tais termos.

(4) Quando você está insensível e desanimado quanto às ordenanças de Deus e a Escritura tem pouca vida ou doçura para você; quando se encontra quase que indiferente se invoca a Deus em secreto ou não, se vai à igreja ou não para ouvir a Palavra e unir-se em louvor a Deus na comunhão dos santos; quando não sente grande gosto nos cultos e nos sacramentos, mas pratica-os quase que meramente por costume, ou para aliviar a sua consciência, e não por uma grande necessidade que sinta dessas práticas, ou do bem que encontra nelas. Isto mostra, por certo, que você carece de mais um pouco da vara e da espora de Deus. Seu coração ainda não foi suficientemente quebrantado, mas Deus precisa tomá-lo novamente em Suas mãos.

(5) Quando você está esquecido de Deus, e da vida por vir, e esquece tanto dos seus pecados como do sangue do Salvador, e coloca os seus pensamentos quase que continuamente nas vaidades a nas coisas deste mundo, como se estivesse crescendo mais nestas coisas do que na sua necessidade de Cristo. Isto mostra que a pedra ainda está no seu coração, que Deus precisa fazer com que você se alimente de um cardápio mais difícil, para corrigir os seus apetites, e fazê-lo sentir o seu pecado e miséria até que Ele retire os pensamentos que você tem nas coisas que são na realidade pouco importantes, e o ensine a preocupar-se mais com o seu estado eterno. Se você começa a se esquecer do seu próprio estado e de Deus, é tempo de ser lembrado disto.

(6) Quando você começa a sentir mais doçura na criação, e a ser mais lisonjeado com aplausos a honras, e a sentir mais prazer na abundância, e mais impaciência com a pobreza ou necessidade, ou com os erros dos homens, e com as cruzes do mundo; quando você se dedica a ser bem sucedido, e está desejoso de se tornar rico e cai de amor pelo dinheiro; quando você se atira aos cuidados e negócios do mundo, e fica oprimido com muitas coisas por sua própria escolha. Isto mostra, na verdade, que você está perigosamente não humilhado. Se Deus tiver misericórdia de você, Ele o rebaixará e fará com que a sua riqueza se torne em amargura e absinto para você, abaterá o seu apetite e ensinará que uma coisa é realmente necessária: “Desejar ardentemente a comida que não perece”. Ensiná-lo-á daí em diante a escolher a melhor porção.

(7) Quando você percebe que poderia voltar a brincar com as circunstâncias propícias ao pecado, ou a olhar para elas com disposição na mente como se ainda tivesse a mente voltada para isso e quase que pudesse voltar o seu coração querendo novamente aquilo; quando você começa a ter a mente novamente voltada para suas velhas companhias e caminhos, ou começa a se aproximar o mais possível novamente dessas coisas, e a olhar com fixação para a isca na tentativa de provar daquilo que é proibido, e quase que não pode dizer como negar as suas inclinações, apetites, sentimentos e desejos. Isto mostra que você carece de uma obra de despertamento. Parece que Deus precisa ler para você mais um pouco da Palavra, e fazer com que você soletre aquelas linhas de sangue, as quais, ao que parece, você se esqueceu. Ele precisa acender o fogo da sua consciência, até que você sinta e entenda se é realmente bom brincar com o pecado, com a ira de Deus, e com o fogo eterno.

(8) Quando você começa a se tornar indiferente com relação a sua comunhão com Deus. Você começa a não pensar mais muito se Ele lhe aceitou realmente e se de fato lhe manifestou o Seu amor, mas começa a deixar de lado as suas orações e a não mais atentar para elas ou ao que acontece com elas. Passa a fazer uso dos sacramentos raramente questionando o resultado desta prática. Quando você pode dispensar o consolo espiritual dos santos e extrai pouco conforto espiritual de Cristo e dos céus, e cada vez mais dos seus amigos, bens, prosperidade e situações materiais, talvez comece a sentir-se tão bem na companhia de pessoas do mundo, falando e agindo como elas, com a mesma satisfação que antes tinha ao meditar no amor de Cristo. Isto mostra que você ainda não tem um real senso do perigo que corre. A humilhação ainda tem uma grande obra a realizar em você. Você precisa ser ensinado a conhecer mais a sua casa, a ter mais prazer em seu Pai, a conhecer mais o seu marido, seus irmãos em Cristo, mais a sua herança, do que os estranhos ou inimigos de Deus e seus.

(9) Quando você começa a fazer pouco caso das ordenanças ou de outras misericórdias, e ao invés de recebê-las com gratidão e se alimentar delas passa a queixar-se delas, e nada lhe agrada, dizendo: “O pastor é muito fraco”, ou “o pastor é muito exigente”, ou “o pastor é muito formal”, “isso deveria ser desse ou daquele modo”, “o culto é muito ou pouco formal”, “ele gesticula muito ou pouco”, “esta ordem não está boa”, “isto ou aquilo não é apropriado”. Isto tudo mostra que você carece ser humilhado, e que você está mais preparado para a vara do que para o alimento. Se Deus pudesse apenas abrir a porta do seu coração e mostrar claramente a maldade e o vazio que há nele, você veria que o erro não está no pastor nem no culto, e mesmo que houvesse erro neles, o erro maior ainda seria o seu. A causa da sua relutância e contenda com o mundo está no seu próprio estômago cheio, e Deus precisa lhe dar um remédio, que faça o seu coração doer antes que Ele termine a Sua obra. Então o seu apetite será corrigido, a sua frivolidade terá fim, e aquilo que você antes criticava passará a lhe ser doce.

(10) Quando você começa a tufar de orgulho, a pensar muito alto de si mesmo, a ter bons conceitos sobre o seu próprio talento e desempenho, ter prazer em ser notado e visto como alguém que desponta entre os piedosos, e não pode suportar ser esquecido ou ser deixado de lado. Quando você considera os talentos e desempenho dos outros inferiores em comparação com os seus, se considera tão sábio quanto seus mestres e passa a ouvi-los como se fosse juiz deles, com espírito de julgamento, e achando que poderia fazer tão bem quanto eles. Quando você começa a encontrar falta naquilo que deveria estar lhe nutrindo, e não encontra nada em cada sermão a não ser defeitos, e a acha que não cometeria tais erros. Quando você deseja veementemente ser seu próprio mestre e se considera mais habilitado a pregar do que a aprender, a dirigir do que ser dirigido, a responder do que a perguntar. Quando você pensa tão bem de si mesmo que a igreja não é mais boa nem pura o suficiente para sua companhia, embora Cristo não seja ali negado, e você não seja ali induzido a pecar. Quando você se torna crítico e passa a agravar mais e mais a falta dos outros, diminuindo as suas virtudes. Pode ver um cisco nos olhos dos outros, mas não consegue discernir as virtudes deles, a não ser que sejam altas como uma montanha, e ninguém pode passar por piedoso ao seu julgamento, a não ser os santos mais eminentes. Quando você passa a desejar veementemente as novidades na religião e a se achar mais sábio do que a igreja presente e antiga, e se considera excepcional por não ser como os demais. Quando você não pode ouvir nem este nem aquele pastor, embora sejam na verdade ministros de Cristo. Quando você fica batendo sempre na mesma tecla: “Saí dentre eles, e separai-vos deles”, como se Cristo houvesse chamado você a sair da igreja, quando na verdade o chama a sair da companhia dos infiéis. Tudo isso indica que você necessita de mais humilhação.

Você tem um inchaço que precisa ser aberto para permitir que o ar saia e ele seque. Para que você não venha a se perder, para que não venha a ser abandonado por Deus e ser entregue a si mesmo, você precisa ser trazido à humilhação novamente com um testemunho. Quando Deus lhe revirar e lhe mostrar que você é um pobre, miserável, cego e nu, e que está inchado sem razão e se enchendo de si mesmo, Ele fará você parar diante daqueles que você despreza. Ele fará você se considerar indigno da comunhão com aqueles que antes você julgava indignos de você. Fará com que se considere indigno de ouvir aqueles pastores aos quais você antes virava as costas. Ele jogará por terra o seu ensino, coisas tolas, e o tornará feliz em ser ensinado de novo. Numa só palavra, por meio da conversão Ele o fará novamente como criança, ou você nunca entrará no reino dos céus.

Este orgulho espiritual é uma doença lamentável, e consiste em algo excessivamente triste. Para muitos, é o prelúdio de condenação e apostasia. Deus os entrega aos seus próprios conceitos e à sabedoria que eles tanto estimam, até que estes os levem à perdição. E dentre aqueles que são curados, há muitos que o são da maneira mais triste, pois é comum Deus deixá-los sozinhos até que se lancem a erros abomináveis ou caiam em algum pecado vergonhoso e escandaloso, até que se tornem objeto de escândalo e comentários entre os homens. Esta vergonha e confusão podem, entretanto, despertá-los, a fim de que venham a compreender o que foi que os tornou tão orgulhosos, e a reconhecerem que não passam de simples vermes.

Desse modo eu mostrei quando é que você deve buscar uma humilhação mais profunda, e quando pode concluir que ainda não foi suficientemente humilhado. Sim, quando uma humilhação em maior grau é necessária à sua alma.

Pergunta: Bem, mas ainda assim, você ainda não nos disse que caminho um pobre pecador deveria tomar em tal desfiladeiro, quando não sabe se sua humilhação, no que diz respeito à parte emocional, é insuficiente ou demasiada.

Resposta: 1. Vocês mesmos podem discernir parcialmente pelo que foi dito, se têm necessidade de mais ou menos humilhação, apenas testando o coração por essas indicações. 2. Mas, ainda assim, eu os aconselharia e persuadiria veementemente, em caso de dificuldade, a recorrerem a algum ministro capaz e fiel, para uma resolução.

Se você sente que a tristeza se apodera demasiadamente do seu espírito, que põe em perigo o seu entendimento ou a sua saúde, especialmente se você é uma mulher sentimental ou uma pessoa melancólica, não permaneça neste estado por muito tempo, para que a demora não venha a fazer aquilo que não poderá ser facilmente desfeito, mas vá e converse sobre o seu caso, e peça conselho. Esta é uma das principais funções dos pastores: que você possa tê-los à disposição para se aconselhar com eles a respeito das doenças e perigos da sua alma, assim como você faz com os médicos com relação às doenças e perigos do corpo. Desvencilhe-se de toda timidez pecaminosa, e não continue a confiar em si mesmo e nas suas habilidades, mas vá àqueles aos quais Deus designou com superintendência sobre você para estas situações, e conte-lhes o seu caso.

Este é o modo de Deus, e Ele abençoará a Sua própria ordenança. Pessoas melancólicas, sensíveis e irritadiças não são juízes habilitados para avaliar sua própria situação. Neste caso, você deve desconfiar do seu próprio entendimento e não ser orgulhoso, nem se agarrar obstinadamente a cada capricho que venha à sua cabeça, mas, ao sentir a sua fraqueza, confie-se à direção dos seus fiéis ministros, até que o seu problema seja superado, e você se torne mais capaz de discernir por você mesmo.

Outro erro do qual você será aqui alertado é o de pensar que a tristeza e as lágrimas são desejáveis em si mesmas. Elas são desejáveis apenas como expressão de uma disposição sincera da vontade, e quando elas ajudam a atingir o fim para o qual a humilhação é designada. Assim, aqui você poderá aprender o caminho pelo qual deve buscá-las.

(1) Você não deve colocar a ênfase da sua religião nelas, como se fôssemos chamados pelo Evangelho apenas para uma vida de tristeza. Mas deve fazer da tristeza e das lágrimas servas da sua fé, amor, e alegria no Espírito Santo, e de outras graças. Assim como o uso da agulha é apenas para abrir caminho para a linha, e então é a linha, e não a agulha, que faz a costura, assim, a nossa tristeza serve apenas como preparação para a fé e amor, sendo estes os que unem a alma a Cristo. É, portanto, um triste erro que alguns fiquem muito preocupados por sua falta de tristeza, mas pouco preocupados por sua falta de fé e amor, e orem e se esforcem para quebrar seus corações, ou chorem pelos pecados, sem, contudo, fazerem o mesmo para obter aquelas graças maiores, às quais a tristeza deveria conduzi-los. Um deveria ser feito sem se deixar de lado o outro.

(2) Visto que as lágrimas são uma expressão do coração, elas deveriam ser espontâneas e sinceras, fluindo voluntariamente do sentimento interior por causa do mal que lamentamos. Se você vier a chorar bastante, meramente por pensar que as lágrimas são em si mesmas necessárias, e não por causa do ódio que sente pelo pecado e pelo sentimento da sua natureza vil e assassina, isto não tem nada a ver com a verdadeira humilhação. Se o coração estiver humilhado diante do Senhor, não é a falta de lágrimas que fará com que Deus o despreze. Alguns são, por natureza, tão pouco dados ao choro que não podem chorar por nenhuma coisa externa, nem pela perda do mais querido amigo, embora fossem capazes de fazer dez vezes mais para salvar a vida dele do que alguns que choram à vontade. Gemidos, assim como as lágrimas, também são expressões de tristeza, mas a rejeição e ódio sinceros ao pecado, são evidências ainda melhores do que ambos.

Quando, entretanto, a pessoa tem uma disposição natural para chorar, mesmo que seja por dificuldades materiais, e ainda assim não pode derramar uma lágrima pelo pecado, aí o caso é mais questionável.

(3) A razão principal pela qual vocês devem se esforçar para ter uma tristeza mais profunda é para que possam obter o fim ao qual a tristeza deveria levar: que o pecado vos seja mais odioso e mortificado com mais efetividade; que o “eu” seja humilhado, para que Cristo possa ser mais valorizado, desejado e exaltado, e para que você seja melhor habilitado a uma maior comunhão com Deus no tempo por vir, seja salvo do orgulho, e mantido vigilante.

Pelo que foi dito, você tem uma regra pela qual pode acertadamente discernir que grau de humilhação deve ser alcançado: ela deve ir tão profundamente a ponto de minar o nosso orgulho. O coração deve ser tão quebrantado quanto necessário para nos afastar do pecado e nos desvencilhar do “eu” carnal. Se isso não for alcançado, ainda que você chore os próprios olhos, isso não valerá nada. Você precisa ser rebaixado a tal ponto que o sangue de Cristo e o favor de Deus venham a ser mais preciosos a seus olhos do que o mundo inteiro, e em seu próprio coração preferira antes aqueles do que este. Aí, então, você pode estar seguro de que a sua humilhação é sincera, quer você derrame lágrimas ou não.

Pelo que foi dito, você também pode concluir que deve fugir da idéia de atribuir às suas próprias humilhações qualquer valor da honra devida apenas a Cristo. Não pense que você pode satisfazer a justiça da lei ou merecer qualquer coisa da parte de Deus pelo valor dos seus sofrimentos, mesmo que você venha a chorar lágrimas de sangue. Isto não será uma verdadeira humilhação, se não consistir no senso de reconhecimento da sua indignidade e merecida condenação, e se não levá-lo a buscar por perdão e vida em Cristo, e se não levá-lo a se ver perdido e totalmente incapaz em si mesmo. Portanto, seria clara contradição se a verdadeira humilhação viesse a ser tida como satisfação ou mérito, ou algo em que confiar ao invés de Cristo.

Richard Baxter 



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